Os precedentes judiciais devem ser aplicados a todos e não a um só ungido, daí o perigo do habeas corpus em prol do Lula, que, ademais, faz campanha eleitoral antes do tempo, sem que a Justiça Eleitoral mova uma palha.
O direito brasileiro, como o direito romano-germânico ou continental, praticado na Europa, bem como o direito anglo-saxão (common law) dos povos de língua inglesa, possui remédios jurídicos expeditos para defender os direitos ameaçados dos cidadãos, líquidos e certos, por atos ilegais de autoridades públicas. De modo geral, a liberdade de ir e vir ou o status libertatis das pessoas é protegido pelo habeas corpus e as demais liberdades, como a de opinar, exercer profissão, etc. são garantidas pelo mandado de segurança que os mexicanos chamam de juicio de amparo e os americanos de writ of mandamus. Como visto, são instrumentos universais de proteção das liberdades individuais plantados nas Constituições e sistemas jurídicos. Nisso estamos emparelhados com o mundo.
Alguns pressupostos, todavia, devem ser observados para que esses instrumentos jurídicos possam ser utilizados, quais sejam: (a) a existência de ameaça real a direito da parte, seja qual for; (b) que o ato ou sua ameaça, além disso, provenha de autoridade pública (do Executivo, Legislativo ou Judiciário); (c) finalmente que o ato ou a ameaça seja manifestamente ilegal, prima facie, contrariando o direito.
No caso de Lula, após o devido processo legal (due processo f law), atendidos os princípios do contraditório e da ampla defesa, o indigitado réu sofreu condenação em primeira instância pelo juiz Moro. Lula recorreu da sentença condenatória em liberdade (poderia ter sido condenado à prisão). O Tribunal Regional Federal da Região Sul conheceu e julgou o recurso, confirmando a sentença por unanimidade, situação que, segundo a jurisprudência até agora vigente do Supremo Tribunal, pode obrigar o réu a iniciar o cumprimento da pena restritiva de liberdade, invertendo a presunção de liberdade em presunção de culpa.
O réu pode recorrer preso, como ocorre na França e nos Estados Unidos, Estados democráticos, ou pagar fiança para se livrar solto, em certos casos. In casu não caberia nenhum habeas corpus. Mas o que chama a nossa atenção no caso de Lula é que parte do povo que jamais se insurgiu contra o nosso sistema e até mesmo causídicos tomados pela paixão política rasteira botaram a boca no mundo, com a ajuda prestimosa da imprensa lulista, contra a sua prisão, ainda que domiciliar, subvertendo o direito penal vigente no Brasil.
No habeas corpus como também no mandado de segurança, exige-se que ato da autoridade coatora ou sua ameaça sejam ilegais, isto é, contra a lei. No caso em exame, a prisão foi decretada por acórdão judicial, prestes a transitar em julgado. Como pode um ato jurisdicional colegiado, perfeito e acabado, expressão da jurisdição (jurisdicere), ou seja, feito para dizer o direito, virar ato ilegal de autoridade, a ponto de tornar-se objeto de habeas corpus ou mandado de segurança? Estão, transformando o nosso sistema jurídico numa atoarda maluca e selvagem com o habeas corpus virando recurso ordinário, com a cumplicidade do Judiciário. A sociedade o tinha em alta conta e hoje é motivo de chacota, de descrédito, de desprezo e até de revolta, o que de mais grave pode ocorrer a uma nação.
Em 1726, dizia Montesquieu: “A deterioração de um governo começa pela decadência dos seus princípios”. É o nosso caso. As eleições de 2018, por isso, serão um marco de nossa história para nos livrar do caos a que os poderes da República nos conduziram. O que está acontecendo fará, se se concretizar, com que assassinos e criminosos em geral aguardem a prisão até que os tribunais superiores se pronunciem sobre os seus crimes, embora já condenados em 2ª instância, um absurdo sem tamanho. Mas sugere também que se acabe o Supremo Tribunal Federal, com membros indicados pelo presidente da República, substituído por corte constitucional, como na Europa, com membros indicados pelo presidente, o Congresso, o Judiciário, o Ministério Público e a OAB, de modo a anular as togas ideológicas na cúpula do sistema jurídico, como parece existir neste momento. Sete ministros foram indicados pelo PT. Não obstante, Fachin, vencido, gritou sem ser ouvido, que recurso contra HC denegado no STJ só podia ser pela via do recurso ordinário.
Recente estatística traz duas conclusões definitivas. Em matéria penal, menos que 2,03% das decisões dos tribunais de 2ª instância são reformadas, assim mesmo em parte (dosimetria da pena, seu aumento ou diminuição, etc.). Em 98% dos casos, os condenados são homicidas, latrocidas e estupradores. Os caros leitores tirem suas conclusões. Os precedentes judiciais devem ser aplicados a todos, não a um só ungido, daí o perigo do habeas corpus em prol do Lula, que, ademais, faz campanha eleitoral antes do tempo, sem que a Justiça Eleitoral mova uma palha. Não somos um país, mas uma horda sem autorrespeito, lei e sabedoria.
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