A pérfida Albion, desde há muito, deixou de ser o império orgulhoso da rainha Vitória. É apenas a terceira potência da Europa Ocidental.
Decididamente, é uma jogada de marketing político de Theresa May — fracasso após fracasso nas negociações com a União Europeia, em razão da saída da Inglaterra ou Brexit — dar ultimato à Rússia para se explicar sobre o envolvimento dela na tentativa de assassinar o seu ex-agente secreto, Sergei Skripal e sua filha, ocorrido em Londres onde estavam a serviço de sua Majestade. Dizem que em Moscou houve um festival de gargalhadas. Enfurecida, a senhora May expulsou 23 diplomatas russos de Londres e se dispôs a convocar o Conselho de Segurança, em que a Rússia tem o poder unilateral de veto (como os Estados Unidos) para recusá-la.
Grita aos céus a sua fúria. O seu objetivo é desviar as atenções domésticas de sua desastrosa administração, a ponto de seu partido cogitar substituí-la. A prova maior dela é a de que há vestígios exíguos de uma substância que afeta o sistema nervoso, conhecida pelo nome de “novichock”, desenvolvida na Rússia nos idos de 1970/80 (em desuso). A Rússia diz que a acusação é uma exibição circense. A uma, porque a tal substância é obsoleta. A duas, porque os tais agentes mortos não lhe interessavam, por irrelevantes. A três, porque a tal substância é utilizada por inúmeras agências de espionagem mundo afora.
Mas o mais interessante é o “ultimatum”. Desde quando a Inglaterra — de fora a Argentina e quejandos — está em condições morais, políticas, econômicas e militares de dar ultimatos à Rússia ou mesmo a potências de seu porte, como a França? É um rematado ridículo. A pérfida Albion, desde há muito, deixou de ser o império orgulhoso da rainha Vitória. É apenas a terceira potência da Europa Ocidental, uma espécie de porta-aviões estacionado em face da França e da Alemanha, certamente de categoria 3, no atual momento da história.
Os EUA — mérito de Trump — deixaram de lado a “russofobia”, que rendia dividendos ao poderoso lobby das indústrias armamentistas nos EUA. Agora o pavor é a expansão da China. A chancelaria americana disse apoiar discretamente a sua aliada sanguínea e, no mais, calou-se, para não envolver-se na gritaria histérica de May. O poder real de forças atômicas e de mísseis transcontinentais hoje é repartido entre os EUA e a Rússia, seguidos discretamente pela China (que trabalha em segredo), não convindo a nenhum deles criar conflitos e querelas artificiosas.
A Rússia alcançou o que queria: o míssil esguio de voo baixo e veloz, quase invisível, os artefatos letais de larga difusão em pequenos volumes. Sente-se à frente e não pretende gastar, ao contrário, é o 2º maior vendedor de armas e petróleo do mundo (volta-se a melhorar o conforto interno em suas imensidões territoriais). A China, aproveitando o autorrecesso americano, avança a passos largos em alianças econômicas e políticas na Ásia e na África e, perturbadoramente na Europa do Leste, ainda temerosa da brutal Rússia soviética. Esse silencioso, mas eficaz, avanço chinês, potência econômica de primeira linha, emparelhada aos EUA, porém em expansão de 6% a 7% ao ano, nos faz lembrar a advertência do kaiser alemão Guilherme II: “Atentai: o povo amarelo (China, certamente) haverá de trazer seus cavalos a pastar nas margens do Rio Spree” (que separa a Alemanha da Europa Central ou do Leste). Hoje seriam cavalos de força eletrônicos.
Posta lá atrás pelas marés da história, a envelhecida e pomposa Inglaterra (não falo do Reino Unido, que congrega ela própria, Gales, Escócia e Irlanda do Norte) quer reviver, por alguns dias, a glória pretérita, criando um escarcéu danado por causa de dois espiões do seu serviço secreto, supostamente envenenados pelos russos, em território inglês. Como isso aconteceu é nebuloso. Mas, se a May não provar — o que é mais do que provável — estará mostrando ao mundo — a vulnerabilidade do seu serviço secreto, incapaz de proteger a si próprio no coração pulsante de sua região metropolitana.
Aprenda, senhora May, nomeada primeira-ministra indiretamente, que sua truculência está démodé, como diriam com “finesse” do outro lado da Mancha, à boca pequena, seus rivais franceses. Que nos sirva de lição o espalhafato de Theresa May. Seu suposto adversário obteve 76,8% dos votos válidos (comparecimento de 67% do eleitorado, espontaneamente facultativo o voto). Eleito pelo povo.
Há três tipos de políticos: (a) os que jogam nos adversários a culpa dos fracassos, ocorre muito quando o indigitado assume em condições difíceis e nada resolve; (b) os que se vangloriam, como semideuses de seus feitos, sonegando os impulsos positivos de seus antecessores; e (c) aqueloutros que — em quaisquer circunstâncias enfrentam as dificuldades, elevam o moral das suas populações e persistem até que venham os benefícios. Isso ocorreu com Franklin Delano Roosevelt, que se elegeu quatro vezes seguidas nos EUA, após a grande recessão de 1929, como Putin. E levou os EUA ao apogeu (ler o livro: Tempos muito estranhos).
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