As religiões sempre nos estendem a mão para evitar as dores do existir.
Entrei nesta fase da vida em que os amigos e conhecidos não nos convidam mais para os batizados ou cerimônia equivalente na Igreja Católica ou nos templos dos chamados “protestantes” (contra o Vaticano) e que são de diversas confissões: batistas, presbiterianos, luteranos, episcopais, evangélicos, mormente nos EUA e regiões mais ao Norte da Europa, como a Alemanha e países bálticos (Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega). Os amigos, vez ou outra, nos convidam para o casamento dos filhos já maduros. Somos requisitados mesmo é para os velórios, as exéquias dos nossos amigos mais idosos e até dos nossos contemporâneos. É terrível. Ainda há pouco ríamos de chistes espirituosos. Era a “boa vida” de que falavam os antigos, desde aquela explosão solar de gênios nos esplendores da Grécia Antiga, hoje tão relegada. (Entretanto, é a mesma raça até hoje, sejam eólicos, jônios ou áqueos. Atenas continua no mesmo lugar há milênios.)
É realmente um tema denso, poético e trágico ver como nos revezamos, as gerações e intergerações, sobre a face da Terra, a trabalhar, aprender, sofrer, alegrar-se, enfim, viver até o momento em que o pano negro desce sobre o proscênio. Os que continuam haverão de chorar e aplaudir, ou ambos. Outros até alegram-se de uns que já se vão mortos.
As parcas indiferentes estão no seu eterno afazer. Têm-se que o universo, e com maior modéstia, o planeta Terra, não se importa com essa corrida sofrida de revezamentos, pois temos sentimentos e ela não, daí a nossa consolação nos deuses incógnitos que – espera-se com fé – nos acolherão.
Sempre me pareceu – estranheza – que, se somos para a morte como todo vivente é, de qualquer espécie, a vida recobre-se de mistério, de urgência, de um não sei bem o quê, um tico de angústia, um sal de esperança ou de indiferença (ateus), dúvidas cruentas conforme as nossas circunstâncias. Então, tudo é para nada ou nada é em vão? Cada qual que se cuide e espere segundo suas concepções. O ato de morrer é solitário e pessoal, inevitavelmente. Sempre que possível, procuramos não pensar no dia extremo. Mas é por isso que o mundo progride. Quando somente se pensa na morte, não fazemos nada na vida, como o monge budista a cuidar da “iluminação” espiritual que o porá em comunhão com o universo, o chamado kaon (iluminação interior). O grande Spinoza, na Holanda, no fim do primeiro milênio, expressou muito bem essa perplexidade e acabou expulso da sinagoga.
As religiões sempre nos estendem a mão para evitar as dores do existir. Spinoza foi veraz e de uma inteligência que até hoje nos ilumina, mesmo na Sorbonne ou Oxford. Spinoza ilumina não apenas a mim, um simples mortal, mas centros de altos estudos e dezenas de mentes privilegiados de mestres em filosofia. Portanto, com ele quis expressar a inevitável angustia existencial que nos toma toda morte sentida de um amigo.
Agora entra o Bala Doce e por onde andará (com aquela irreverência contundente). O nome Bala Doce já diz tudo. Era bala (assertivo), mas doce (sentimental até as lágrimas). Feliz o homem que homenageia a beleza das mulheres e expõe seu desejo salutar, como manda a lei da vida. Foi juiz como eu e saiu-se muito bem. Também lecionou. Em que pese a responsabilidade de seus cargos e atribuições, não abandonou as rodas de amigos na boemia das noites belo-horizontinas e montes-clarenses. E, “quando lhe dava na telha”, “enchia a cara”. Um seu filho foi meu aluno, o reencontrei procurador em Uberlândia. Que continue a ser o Bala de intensa alegria, como sempre foi, como o conheci na alegre e progressista cidade de Montes Claros, na campanha do professor Marcos Afonso para a presidência da OAB. Faz tempo. Mas é isso mesmo. Tempus fugit, minha gente! Seu nome era dr. Augusto José Vieira Neto. Lembrei-me dele. É carnaval.
Façamos, então, como os sábios da Espanha: “Vamos beber, vamos viver, que para morrer há séculos. Abaixo, ao alto, ao centro, para dentro”. Segue-se o gole que cada um escolher. Bala Doce esteve certo, dose por dose.
Quanto à autonomia da vida, cabe rememorar o grande Spinoza: “Não devemos temer a morte, porque quando estamos vivos a morte está ausente e quando a morte está presente nós é que estamos ausentes”. A vida é tudo, a morte é nada!
Mas viver é saber. Michel Onfray, na sua Contra-história da filosofia (III), página 145 (Ed. Martins Fontes), nos diz com sabedoria: “Ninguém é totalmente branco ou totalmente preto, totalmente devoto ou totalmente libertino e sim, muitas vezes, ambos, alternadamente, conforme as ocasiões, as circunstâncias, as oportunidades, conforme também as mudanças ocasionadas pelo tempo”.
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