Tem sido necessário, pois, gritar a existência de um direito natural, anterior e acima do Estado.
A cada sociedade corresponde uma estrutura jurídica. O direito da velha Atenas não serviria, é intuitivo, à moderna sociedade americana. Uma sociedade cuja estrutura de produção estivesse montada no trabalho escravo – o que aconteceu até bem pouco tempo – não poderia sequer pensar em capitalismo e, consequentemente, em viabilizá-lo através de um direito do trabalho baseado no regime de salariado. Sem dúvida, o homem é quem elabora os sistemas sociais e o próprio direito, e isso lhe é dado fazer porque é dotado de inteligência, consciência e vontade. No mundo cultural, nada sucede a não ser através do psiquismo do Homo sapiens. Mas, antes dele, há o Homo faber e, antes deste, o Homo necessitudinis. O espírito humano não vive no vazio nem retira do éter juízos, ideias e planos. Ao organizar a sociedade e o direito, o homem não opera desvinculado da realidade.
Quem pensa, e age, e constrói o mundo cultural, o mundo do direito, é o homem, não o “homem-em-si”, mas o homem real, o homem concreto. O “eu”, já o disse o jusfilósofo (Lima, Hermes. Introdução à ciência do direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Freitas Bastos 1962, pp. 5 e ss.), “é uma relação”, “relação com o mundo exterior, com outros indivíduos. O eu é como um sino: se houvesse o vácuo social em torno dele, nada se ouviria.” E mais: “Cultural na sociedade é, portanto, sua própria organização. A organização é obra do homem cujo ser, cuja alma, cujo pensamento se expressam no conjunto de relações que dele fazem um primitivo, um bárbaro, um grego, um romano, um medieval, um tipo da Renascença ou da sociedade industrial moderna ou um proprietário, um escravo, um servo ou um proletário”. O pensamento humano e seus produtos culturais são desde sempre “produtos sociais”. A capacidade de trabalhar por meio de conceitos não só forneceu ao homem instrumentos eficientes de se resolverem problemas práticos, como transplantou a vida mental do plano sensorial para o mundo de símbolos, ideias e valores.
A ideia de direito liga-se à ideia de conduta e de organização. O direito valoriza, qualifica, atribui consequências aos comportamentos em função da utilidade social sugerida pelos valores da sociedade a que serve. Para o direito – instrumento de organização –, a conduta é o momento de uma relação entre pessoas (relação intersubjetiva), e não o momento da relação entre pessoa e divindade ou sua consciência, seu foro íntimo. Seu problema específico é estabelecer a legalidade fornecedora dos critérios através dos quais é possível às pessoas produzirem, dispor e gozar dos bens, dirimir conflitos sociais e interpessoais, inibir ações indesejáveis e punir transgressões. “A ordem jurídica é o sistema de legalidade do Estado, expresso no conjunto de normas existentes. ” (Lima, Hermes. Ob. cit., p. 38.)
O direito é uma testemunha dos tempos. A análise das “legalidades vigentes” permite retratar as sociedades humanas em todos os seus planos e aspectos.
O direito enquanto ordem positiva reflete, tem refletido, o que lhe vai pela base. Ele é a prova acabada da nossa imperfeição. Instrumento de disciplinação das coletividades, através da planificação prévia dos comportamentos desejáveis, tanto tem servido a Agostinho e a sua Civitas Dei quanto a Hitler e ao seu Reich de mil anos, com igual eficácia. Entretanto, cada vez mais os sistemas convergem para o ecúmeno, o encontro final.
Tem sido necessário, pois, gritar a existência de um direito natural, anterior e acima do Estado. Só que esse direito não é reconhecido pelos tribunais, não regula o dia a dia dos homens, nem jamais estancou a opressão e o arbítrio. É e tem sido sempre, literalmente, um grito de revolta destituído de positividade. Quando muito, serve de padrão para dizer como o “Direito-que-é” deveria ser. Temos a convicção de que a Justiça é algo que se coloca para lá das “legalidades vigentes”. (Não obstante, os valores que se formam no tecido social “penetram” o direito posto, influenciando na aplicação das normas, conferindo-lhes valências novas.).
A política diz respeito aos negócios do Estado de interesse geral. Platão dizia que o homem era, para lá de Homo necessitudinis (um ser de necessidades a serem satisfeitas), o ponto de partida da economia; era essencialmente um zoon politikon (um ser político). Pois bem, a política, o Estado, o bem-estar do povo (salus populi, suprema lex) estiveram entrelaçados por normas jurídicas desde os tempos primevos até hoje em dia. Basta ver a reação das tribos organizadas em nações, quando o chefe das tribos do grande Norte dá suas tuitadas grosseiras. Basta ver também a preocupação do presidente Temer com a reforma da Previdência a bem da sociedade, ainda que contrariando os interesses dos servidores públicos de todas as esferas de governo (governadores e prefeitos se acovardam, mas torcem pelo presidente, este sim, destemido).
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