Pelo que se vê e ouve, o desencanto da população relativamente às instituições da República é crescente.
O instituto tem origem nos EUA, a pena pode ser reduzida ou tornar-se alternativa, porém jamais absolve o réu. Sua utilidade foi pensada para desbaratar organizações criminosas de qualquer natureza, como a máfia e cartéis bancários em paraísos fiscais, envolvendo pessoas poderosas.
Seu uso na política é indevido por causa do “partidarismo” que muitas vezes invade hostes da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Agora mesmo – esquecidos da economia do país que precisa crescer e das reformas macro e microeconômicas, sem falar na trabalhista e a previdenciária, sem as quais o país caminha para o abismo – as delações são até “preparadas” e “controladas” pela PF para criar “fatos delituosos” pela via da soberana interpretação do inquisidor-mor, como no tempo das perseguições religiosas aos hereges e feiticeiras.
Um ministro do Supremo disse que o MP, como “dono da lide”, pode deixar de denunciar um delator confesso de mais de 1.800 crimes de corrupção ativa. Se todo residente no Brasil ficar sabendo de um delito e não o noticiar às autoridades, torna-se réu de crime de omissão, que dependendo da natureza do ilícito pode lhe render pena de reclusão, como pode alguém que exerce a função de promover a Justiça (promotor) ou procurá-la (Procurador) pairar acima do justo e da lógica criminal? O Procurador-Geral não pode deixar de denunciar. É poder-dever constitucional, indeclinável. Esse poder não pode ser negociado pela PGR.
Mas a contribuição mais importante veio do ministro Dias Toffoli: por primeiro definiu a colaboração premiada como negócio jurídico processual em matéria penal, sob condição e controle jurisdicional, nos momentos da homologação e do julgamento final. O ministro analisou a delação premiada às luzes da teoria geral do direito que distingue três planos jurídicos. O da existência do ato, fato, norma ou negócio jurídico. O momento em que se tornam válidos, formal e materialmente (forma prescrita e conteúdo material) e o momento da eficácia (produção dos efeitos jurídicos que lhe são próprios).
Após distinguir a natureza jurídica da delação premiada (negócio jurídico processual penal sob controle jurisdicional) aclarou que a delação não é prova mas mero veículo para se obter provas. Como não é prova a contabilidade mercantil, se não meio para eventual prova, com a diferença de que na delação, a prova ou o início da prova é obrigação do delator, sob pena de ineficácia.
Em seguida, enquadrou a delação nos momentos da existência (no caso, seu fechamento pela PGR) da validez jurídica, quando homologado pelo magistrado competente para tanto, segundo a lei, e o momento de sua eficácia, quando do julgamento final do processo, momento no qual é possível conferir as declarações e provas decorrentes contidas na delação. E, mais, somente neste momento é possível fazer a dosimetria segundo parâmetros prévios dos benefícios penais prometidos “sob condição” ao delinquente delator, que não merece nenhum respeito ético, pois se trata, digo eu, de um criminoso desprezível. Suponha-se um caudaloso delator mentiroso. É lógico ou justo ser absolvido “a priori” pela PGR, à revelia do Judiciário? Por isso foram tão elogiadas as razões de decidir do ministro Dias Toffoli.
O ministro Gilmar Mendes se houve bem ao dizer que se a absolvição prévia do bandido delator, homologada pelo ministro relator, mesmo sendo inútil, não pode ser alterada, para que turma ou o pleno julgar o bandido delator? Que lhe dê absolvição monocrática o juiz homologador. Tem lógica! Mas a fala, ao meu sentir, mais contundente foi a do ministro Marco Aurélio Mello, ao assentar que transferir o poder de absolver o réu de pena, antes do processo, pela polícia ou MP ao negociar a delação do traidor, significaria a subordinação – no caso – da Corte Suprema a órgãos não judicantes. No ponto, o ministro Toffoli, quando da homologação de certa delação de um empreiteiro, fê-la voltar ao MP, para corrigir seus abusos e equívocos. O mesmo posicionamento teve o ministro Lewandowski, ciente do papel do magistrado tanto no ato homologatório, como no exame dos elementos obtidos, a influenciar a dosimetria dos benefícios.
Nesse ponto, não pode o STF transigir, alhear-se, apequenar-se perante o MP ou a polícia. A validade, a eficácia e a dosimetria dos benefícios em matéria penal são funções que somente os juízes podem exercer. Delação mentirosa é nenhuma, do contrário seria um “non sense”, liberdade comprada incondicionalmente. Silentes, observam as ruas o STF. Ao cabo, estamos fazendo história.
Pelo que se vê e ouve, o desencanto da população relativamente às instituições da República é crescente. Arnold Toynbee, sábio inglês (1852-1883) assentou com razão: “O maior castigo para aqueles que não se interessam pela política é que serão governados pelos que se interessam”
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