De um lado, não compactuamos com perseguições, mas, por outro, repelimos o cinismo dos que se dizem defensores da democracia e saqueiam a República
Não me alegra nem agrada que pessoas exercentes de altos cargos na República, como José Dirceu, Palocci ou mesmo Lula, venham a ser condenados. Deixa-nos mal perante o mundo civilizado e faz sofrer a nossa autoestima. No caso de Lula, há acusações individualizadas desagradáveis, e a suspeita de que seria o chefe de todos os chefes de uma organização partidária, de caráter ideológico, que extraia recursos do Estado em prol de um projeto de governo semissocialista, ao estilo bolivariano (foro de São Paulo).
Precisamos nos pacificar. A era das ideologias econômicas passou. O confronto capitalismo versus socialismo, hoje reduzido a Coreia do Norte e Cuba, em prejuízo absoluto do valor liberdade, não existe mais. Programas de governo é que devem ser discutidos democraticamente. Dizem por aí que não há provas contra Lula. Mas o que são provas e indícios, provas diretas e indiretas? Em certos crimes, como o roubo, o homicídio, o estupro, que são delitos de ação e não de omissão, somente se colhe prova direta mediante flagrante delito ou confissão espontânea (a rainha das provas).
Na maioria dos casos, a informação para a imputabilidade dos delitos são os indícios, as testemunhas, as provas documentais, o senso comum de como as coisas da vida ocorrem, os levantamentos periciais e até a teoria do domínio dos fatos, no caso das organizações hierarquizadas, daí advindo a culpabilidade dos agentes, por deliberada omissão. Vamos aos exemplos. Se uma mulher, já ameaçada, é morta e, no dia do evento, o marido que a ameaçou é visto saindo do prédio empunhando arma de fogo, ninguém duvidará da sua condição de suspeito, mormente se vive em lugar distante da cena do crime.
Por mais amigos que sejamos de construtores, duvidamos que, por admiração, nos montem cozinhas de R$ 1 milhão ou reformem de graça um tríplex ou um sítio de lazer. Igualmente não é crível o ex-presidente Lula ter proferido conferências no Brasil e no exterior – 2014 antes da operação Lava-Jato – por valores altíssimos, sem a determinação do tema, onde e quando se deram, até porque não é habitual no Brasil pagar por elas (quando o são, os valores são modestos). Daí o ceticismo a respeito de palestras remuneradas, v.g., a R$ 300 mil, a dar-se crédito às notícias veiculadas pela imprensa.
Há também as doações ao Instituto Lula, sem fins lucrativos. Os procuradores da República, sob a alegação de desvio de finalidade, solicitaram – e obtiveram – 2014 a cassação da imunidade tributária do Instituto Lula, que repassaria à LILS, outra empresa (com as iniciais do nome de Lula), também sem fins lucrativos, dedicada a dar palestras e assessoria sobre programas sociais.
No caso do tríplex, dona Marisa lá esteve várias vezes (registros no livro do porteiro) e o próprio Lula ao lado de Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, foram fotografados lá. Contudo, quem não registra não é dono e o apartamento está em nome de terceiros. O mesmo ocorre com o sítio de Atibaia, com o suposto dono, um tal de Suassuna, pedindo ao filho de Lula, “hóspede”, licença para usá-lo…
O fundo da questão é simples. Lula, nascido pobre no Nordeste da seca e dos latifúndios, é um homem de valor, tem todo direito de possuir bens. Mas não pode enriquecer no exercício da política, pilhando empresas públicas. Isso é o que importa na questão ora comentada. As pagas, as doações, os favores que as empreiteiras lhe prestaram, inclusive os 11 caminhões-baú que levaram suas tralhas, com caixas marcadas e dirigidas “ à praia” e ao “sítio” constituem “vantagens ilícitas”, segundo a PGR.
A Polícia Federal – ao meu sentir – a não ser que possua em nome do Lula procuração irrevogável e irretratável para passar os imóveis em seu nome ou de terceiros, onerosamente ou não, não pode lhe irrogar o título de proprietário. Mas a condenação pode advir de outros fundamentos arguidos pelo MPF, outros tipos delituosos, como chefia de organização criminosa, a começar pela nomeação dos diretores da Petrobras, operadores das propinas perante o cartel de empresas supridoras de favores, em razão de superfaturamentos, bem como ocultamento de patrimônio e corrupção ativa e passiva.
No devido tempo, saberemos se procedem ou não as acusações. Que venham as provas. De um lado, não compactuamos com perseguições, mas, por outro, repelimos o cinismo dos que se dizem defensores da democracia e saqueiam a República. Dura lex, sed lex. Democracia é aplicá-la a todos e a qualquer um, inclusive a ex-presidentes da República. A julgar pelo resultado das eleições, o povo não sairá às ruas para opor-se à Justiça e à democracia, se não para apoiá-las a fim que vigorem efetivamente.
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