Para evitar as denunciações dos adversários, fizemos barreiras para garantir os membros do Congresso
O Brasil foi o único país sul-americano a viver quase um século como monarquia parlamentar, exercendo imperador d. Pedro II o poder moderador, que dissolvia e autorizava gabinetes. Foi um século perdido. Os senhores de terras, como condes, viscondes ou simples coronéis viviam do campo, explorando escravos. E nada de nos industrializarmos. Um século inteiro agrário, escravista, uma elite egóica à volta do imperador, a ponto de, na Guerra dos Canudos, objeto de um livro de Vargas Lhossa (A guerra do fim do mundo), os nossos sertanejos se julgarem defensores do rei contra os militares republicanos. Devoção por El Rei, figura mitológica no semiárido. E o povo se multiplicando, sem eira nem beira.
Continuamos a cultuar os presidentes da República como se fossem monarcas, herança daqueles tempos. Uns enfatuados, por isso mesmo, dizem ser algo muito grave, muito sério, tirar um presidente, mormente se for uma com ares de rainha, ainda que pelo processo da Constituição, o impeachment.
A ideia de república ainda não se nos interiorizou. Vasculhemos nossas crenças políticas. Diferentemente dos franceses (república parlamentarista) e ingleses (monarquia parlamentar), acostumados a ver nos parlamentos a sede do poder que emana do povo, nós encarnamos no presidente o centro magnético do poder. E nisso nos distinguimos dos norte-americanos, que também cultuam o presidente como o rei que os pioneiros deixaram na Inglaterra, mas reverenciam o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado). Os senadores representam, como aqui, os estados federados, são figuras respeitadas. Entre nós, não. Valem o presidente (rei), os governadores (vice-reis) e os prefeitos (chefes de condados). Depois vem os legisladores e, por último, os juízes. Essa é a nossa visão da República, defeituosa ao extremo.
O povo brasileiro — pela lembrança dos tempos idos — olha de banda os promotores de Justiça que prendiam pessoas, cobravam impostos, enforcavam sediciosos e ajudavam a inquisição católica. Conta o escritor Augusto de Lima Filho, conhecedor da história de Minas, que havia o fazedor de mortes; ficava de olho no cristão novo (judeu) à hora da morte, abreviando-lhe a vida para que não voltasse à lei de Moisés, pondo a perder seus descendentes. É importante, portanto, que se voltem contra a corrupção sem exageros.
Entre nós, para evitar as denunciações dos adversários, fizemos barreiras para garantir os membros do Congresso. É ver a Constituição: “Art. 53. Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (…) § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. § 3º Recebida a denúncia contra o senador ou deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. § 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva (…).”
Mas podem perder o mandato por ato dos seus pares. “Art. 55. Perderá o mandato o deputado ou senador: (…) II — cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III— que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV — que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V — quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI — que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. § 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação.” (…)
O procurador-geral e os ministros do STF estão sujeitos também a impeachment no Senado da República. São os pesos e contrapesos do regime democrático: “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (…) II — processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade”. A cautela se impõe.
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