Os tribunais superiores da nação comandarão com brio e autocontenção os destinos do Brasil.
O estado democrático de direito tem sofrido abalos institucionais, passando ao grande público a impressão de que são possíveis, embora sejam indevidos no regime democrático, em face da tripartição dos poderes.
Não me refiro ao impeachment que segue os pressupostos constitucionais e legais de regência, embora mereça aperfeiçoamentos. A sua lei é arcaica e ineficiente, a começar pelo sistema de provas. É irracional ouvir meia centena de testemunhas sobre questão de direito, fartamente documentada. As testemunhas irão depor sobre quais fatos concretos? Nenhum! Apenas emitirão suas opiniões. Convenhamos existir nesse processo déficits jurídicos e lógicos. Somos o país da piada pronta. Deixemo-lo com o seu rito bacharelesco. São favas contadas os desenlaces finais. Contudo, oneram a nação, por atrasar as medidas econômicas, a confiabilidade e a segurança jurídica dos investidores nacionais e estrangeiros.
Vejamos o caso do réu cuja condenação em 2ª instância leva-o diretamente à prisão. A presunção de inocência até o trânsito em julgado definitivo da sentença virou presunção de culpa provisória, havendo recursos a decidir. A CF/88 é clara a respeito, mas o STF, soberano intérprete da Lei Maior, entendeu de modo diverso, para apressar o processo e atalhar a impunidade: a) 94% das condenações em 2º grau são mantidas e; b) réus abonados, como o ex-senador Luiz Estevão, ficam 18 anos recorrendo em liberdade, por culpa do legislador omisso, que não reformou o excessivo sistema recursal do direito penal. Mas o STF esticou a corda, como legislador positivo em lugar do Poder Legislativo.
Recentemente, por unanimidade (para blindar a decisão), o STF suspendeu os mandatos de deputado federal e de presidente da Câmara de Eduardo Cunha, por tempo indeterminado, ausente qualquer condenação contra ele. Nos recintos acadêmicos e forenses do país a decisão causou espécie, em que pese o excessivo manejo regimental do presidente da Câmara dos Deputados no Conselho de Ética. Mais uma vez, o sentimento de corda esticada. E se fosse, “ex absurdo”, absolvido por seus pares? Ficaria no “limbo” a “correição judicial”, que apenas suspendeu os mandatos, sem suprimi-los?
Na República, sob a CF/88, os poderes são autônomos. Nem o presidente da República nem o STF podem, discricionariamente, destituir senadores e deputados, nem estes podem destituir de seus mandatos o presidente e os ministros das Cortes Superiores, a não ser por impeachment. Condenações criminais com trânsito em julgado, inclusive eleitorais, afetam, é claro, os mandatos dos membros dos poderes da República, não meras denunciações.
A tripartição dos poderes é para ser respeitada, sob pena de desgoverno, em prejuízo da República. Cumpre notar que o poder que faz a lei (Legislativo) e o poder que governa segundo a lei (Executivo) são eleitos pelo povo, não porém o Poder Judiciário, formado por concurso ou por indicação conjunta dos outros dois poderes, considerados políticos. Na Europa parlamentarista, o Judiciário é aparato técnico, sem ingerência política. Cortes constitucionais acima do Executivo, Legislativo e Judiciário fazem o controle de constitucionalidade das leis. Nosso sistema é calcado no norte-americano. Deles copiamos a Suprema Corte como guardiã da Constituição e “controller” das leis, o que permite algum ativismo judicial, mas sem ingerência no organismo vivo dos poderes Executivo ou Legislativo. O impeachment e o recall são mecanismos democráticos para deseleger mandatários eleitos. (O referendo venezuelano, v.g., é um tipo de recall).
Há o ativismo apolítico e o político, esse último indesejável. O primeiro nasce da omissão legislativa de regular assuntos sensíveis como o aborto amplo, casamentos homoafetivos, igualdade racial e de gênero, morte assistida, eutanásia etc., obrigando o Judiciário a decidir. O político incomoda, porque o Judiciário não é eleito e, portanto, deve ser politicamente neutro. O respeito de que é merecedor vem justamente da sua austeridade, apoliticidade, independência e imparcialidade na aplicação das leis e da Constituição.
O Ministério Público, a sua vez, voluntarioso como é, com o poder de movimentar o Judiciário, está a lançar seus dardos além das metas. Esse pedido para prender deputados, senadores e chefes do Poder Legislativo, sem condenações, sob o argumento pueril de “obstrução de justiça” foi um despautério, com a devida vênia.
O que o Sr. Janot quer? O cárcere antes da condenação? A volta ignóbil do “crime de opinião”? O desrespeito ao voto popular? O terror de Danton e Robespierre da França convulsionada? A academia, os juristas, os advogados, os homens de bom senso, estão confiantes de que os tribunais superiores da nação comandarão com brio e autocontenção os destinos do Brasil, sem arranhar a delicada estrutura dos poderes tripartidos.
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