O Estado abusa dos devedores de tributos. Aproveita a deixa dos processos de direito privado para oprimir os contribuintes.
A notícia circulou na grande imprensa do país. A Justiça começou a implementar mais um sistema para tentar forçar os devedores a quitar suas dívidas judiciais: o Serasajud. Por meio da ferramenta eletrônica, eles podem ser incluídos no cadastro de inadimplentes da Serasa Experian, o que os impede de fazer compras a crédito ou obter empréstimos em instituições financeiras. Pelo menos 33 tribunais – entre estaduais, federais e trabalhistas – já assinaram convênio com a empresa. Hoje, a fase de execução é considerada um dos grandes gargalos do Judiciário. De acordo com o último relatório Justiça em números, referente ao ano de 2014, dos 70,8 milhões de processos em tramitação, 51% estavam nessa etapa – ou seja, foram julgados, mas faltava o pagamento.
A iniciativa de implantar o Serasajud partiu do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que firmou, em agosto, um termo de cooperação com a empresa e deu permissão aos tribunais para a assinatura dos convênios. Segundo Bráulio Gusmão, juiz auxiliar da presidência do CNJ, “o sistema traz mais uma maneira de compelir devedores a pagar suas dívidas e dá maior efetividade ao cumprimento das decisões judiciais”.
As execuções judiciais são as etapas do processo judicial que visam a obter o dinheiro necessário a satisfação do crédito devido ao credor. Resta saber se o convênio se refere apenas às execuções das sentenças judiciais transitadas em julgado.
Três são os tipos de títulos que ensejam os processos de execução, a saber: a) execução de sentenças transitadas em julgado. Nessa hipótese o credor, através de uma ação com ampla defesa do devedor, obtém do Poder Judiciário uma sentença definitiva que o habilita a entrar com uma ação de execução contra ele, caso relute em pagar espontaneamente, e que se inicia com a penhora dos bens deste; b) execução por títulos de crédito, aos quais a lei atribui liquidez e certeza no vencimento, tipo cheque, nota promissória, contrato de mútuo, letra de câmbio, etc. Nesse caso, o próprio título é a base da execução, a iniciar-se, sempre, pela penhora dos bens do devedor. As penhoras, ou melhor, os bens penhorados, se os devedores não pagarem a dívida, vão à praça para serem adquiridos por terceiros. O dinheiro obtido irá então, para os credores; c) a execução fiscal em favor das fazendas públicas com base em certidões de dívida ativa, extraídas unilateralmente pelos fiscos, às vezes de modo arbitrário e injusto, na medida em que dispensem ou obstem os processos tributários administrativos (PTA) e a ampla defesa dos contribuintes.
Ora, com permitir protesto, execução e, agora, inscrição no Serasa do débito do devedor executado, muita vez se exige dele o indevido. Os casos de execuções fiscais, por exemplo, que se revelam injurídicos são inúmeros. Não apenas isso, ele é posto em estado de execração pública, o que liquida seu crédito e reputação no mercado.
São cabíveis duas observações. Primeira, a execução contra os maiores devedores do país, as fazendas públicas da União, estados e municípios (80% das execuções) duram anos e são “teoricamente” pagas por precatórios, que levam décadas para serem quitados, quando o são. Segunda, com pressionar os devedores de tributos (muita vez não o são), os juízes ganham a oportunidade de abreviar seus trabalhos em troca de injustiça em massa, em prol das fazendas públicas, vício que nos vem dos tempos realengos.
A justiça que se dane. Fórmulas como essa são constrições oblíquas e aumentam ainda mais o fosso entre a desproteção das pessoas e de suas empresas e a superproteção do Estado, esse sim, mau pagador e folgazão na hora de tributar e cobrar tributos. As Catilinárias de Cícero estão na moda (ao cabo, Cícero não era lá muito honesto). Honesto é o adágio romano: “Muitas leis: péssima república”.
O processo de execução do devedor evoluiu muito em Roma e depois dos romanos. Nos começos, o credor se garantia na pessoa do devedor inadimplente; podia reduzi-lo à condição de escravo e dele abusar ou vendê-lo ou mesmo jogá-lo do alto da “pedra terpeia”. Depois de algum tempo, os juízes deslocaram a satisfação do credor para os bens do devedor (se o devedor não paga, seus bens respondem), E se não tiver bens? Sua pessoa se desmoralizava, mas deixava de ser vítima dos credores.
Finalmente chegamos aos dias atuais. O Estado todo-poderoso abusa dos devedores dos tributos. Aproveitaram a deixa dos processos de direito privado para oprimir ainda mais os contribuintes, salvo melhor opinião em contrário. Para mim, o Estado deve ser mínimo (seu poder, instrumentado pelos políticos, é uma desgraça, um pesadelo sem fim). E a fazenda pública é mil vezes pior do que o fisco lusitano dos tempos coloniais. Antes tínhamos o quinto do ouro para a Coroa Portuguesa, hoje pagamos 36% do PIB (um terço dos bens e serviços produzidos e monetizados) para o Estado brasileiro.
Faça seu comentário