Parece que o partido está tão infeccionado pela corrupção que o ex-presidente não quer ligar o seu excelso nome a mais ninguém
A nota do PT lavando as mãos no episódio vergonhoso do senador Delcídio Amaral, líder do governo no Congresso, festejada liderança do partido, é de causar nojo.
O senador Renan Calheiros, presidente do Senado e aliado do governo, a tachou de oportunista e covarde pelo modo como foi redigida e assinada pelo presidente do PT, com o de acordo tácito de Lula, porquanto Ruy Falcão não dá um passo sem aconselhar-se com ele, tido e havido como gênio político sem a minha adesão. Só que, desta vez, errou feio, conseguiu irritar até os senadores petistas.
A manobra para despertar o espírito de corpo do Senado soçobrou inteiramente. Foi a primeira vez que um senador da República, incluindo o tempo do Senado durante o Império, no século 19, foi preso em flagrante delito de crime continuado grave e inafiançável. O comum seria o Supremo, em razão de os senadores terem foro privilegiado por prerrogativa de função, encaminhar à Câmara Alta pedido de autorização para prender qualquer membro do sodalício por crime cometido, menos no caso em tela, pois além do flagrante o crime é inafiançável. Do Conselho de Ética não se haveria de cogitar, talhado para outras situações, como a que está ocorrendo com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e que bem pode lhe causar a cassação do mandato por falta de decoro parlamentar.
Mas, ao cabo, o que dizia a famigerada nota do PT em que o partido lavava as mãos? Que o senador Delcídio Amaral agira por conta própria ao planejar a mesada de R$ 50 mil por mês para a família de Cerveró, ex-diretor da Petrobras indicado pelo PT. E sua fuga para a Espanha, em troca de não aderir a uma cogitada delação premiada, pois aviava o senador oportuno habeas corpus no Supremo (manteria relações amistosas e influentes com os ministros da 2ª Turma. Não apenas ele, mas o vice-presidente Temer). Todavia, se Cerveró optasse pela delação, que não mencionasse o seu nome honrado nos intentos criminosos da Petrobras. A paga mensal correria às custas de banqueiro amigo, como fartamente anunciado pela mídia.
É de se perguntar por que o PT, agora tão frio, foi tão solidário com os seus no mensalão, incluindo José Dirceu, tido por injustiçado. O que se passa? Recentemente, no caso do tesoureiro Vaccari, Lula e o PT fizeram-lhe ato público de desagravo e chamaram-no de fiel companheiro. Está preso, depois de inúmeros habeas corpus rejeitados pela Justiça Federal.
Ao que tudo indica, o partido está tão infeccionado pela corrupção, são tantos os seus membros presos e acusados que o ex-presidente não quer ligar o seu excelso nome a mais ninguém. Entrou na fase de Pilatos.
Na sua nota, o PT disse que os atos de seu senador não representaram ato partidário ou ato de governo, e, portanto, sentia-se o partido livre do dever de defendê-lo. Negativo, tratava-se de ato ligado ao financiamento de campanha e dos mesmos negócios, ora para extrair dinheiro da Petrobras ora para escondê-lo, ligados à formação de caixa eleitoral de seus candidatos, pela utilização de diretores de estatais e nomes coniventes do empresariado. O ato de Delcídio está ligado a tudo que se investiga na operação Lava-Jato.
Essa nota continua soando estranhamente. É bem verdade que – tirado o PT do episódio – foi ensaiada no Senado a tese de que a casa não queria substituir o Supremo e julgar o senador recolhido ao xadrez. Ao Senado caberia saber se a votação para manter ou não a prisão seria pelo voto aberto ou fechado. Venceu o aberto por larga margem, contra a opinião de Renan. Caberia ao Senado, em seguida, discutir se o crime era inafiançável e se a prisão fora em flagrante para depois, por último, manter ou não a prisão preventiva. Uns, mais audaciosos, diziam que estava em causa não o senador Delcídio senão o significado das altas prerrogativas do Senado da República.
Mas tudo foi por água abaixo quando o senador Aloísio Nunes, do PSDB, lembrou aos colegas que essa matéria era de mérito, pois o STF usara exatamente esses fundamentos para decretar a prisão preventiva sem prévia oitiva do Senado: crime inafiançável e flagrante delito continuativo, como se soube pela gravação feita às escondidas pelo filho de Cerveró, já irritado com a demora do advogado do pai em celebrar a delação premiada.
Depois de desgastante sessão, em que o Senador caído em desgraça foi muito pranteado pelos seus colegas, menos pelos do PT, pois se trata realmente de uma figura muito simpática, o Senado, com uma maioria impressionante de 80% ou mais, manteve a prisão do líder do PT no Congresso Nacional. Foi uma atitude louvável, democrática e digna. Não prevaleceu o senso corporativo, mas o interesse maior da República. Está aberto um precedente, o primeiro de nossa história republicana.
E assim vamos nós, aos trancos e barrancos, notícia boa só mesmo da Argentina, que se livrou antes de nós do neopopulismo, demagógico e corrupto. Salve, Macri.
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