Merece considerações a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, que fixou competências para julgamento de ações anticorrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF)
Em primeiro lugar, cabe mencionar a metodologia para se chegar à Justiça Federal, cuja competência é ratione personae (em razão do bem jurídico tutelado relacionar-se com o patrimônio, autoridade, competência ou interesse da União Federal). Se, por exemplo, alguém pratica crime em desfavor de Minas, o Judiciário competente é o estadual. Se o mesmo ato for contra a União, quem apura é a Polícia Federal. Quem denuncia é o Ministério Público Federal. Quem julga é a Justiça Federal. Havendo foro privilegiado ou “por prerrogativa de função” como ultimamente se diz, quem julga é o STF.
Elencar os crimes da competência da Justiça Federal implica, todavia, fixar critérios para “dividir”, digamos assim, o “terreiro” de cada juiz federal, pois a jurisdição deles não é universal. As varas criminais estão fixadas na federação, do Oiapoque ao Chuí, e obedecem a critérios territoriais. Em princípio, portanto, a jurisdição está limitada territorialmente, mas, quando um crime estende-se para lá do território, a conexão com o delito-base nele praticado, envolvendo pessoas residentes em lugares diversos, atrai para a vara que apura o crime a competência do juiz do lugar. É o caso do petrolão, mas não de todos os casos de corrupção. No Ministério do Planejamento, verbi gratia, a competência é de um juiz federal de Brasília. (Esse acúmulo acabaria por determinar o gigantismo da tarefa do juiz Moro, a “trabalhar como um mouro”, quase soterrado por dezenas de réus de todo o Brasil, num trabalho insano.)
Isso posto, a decisão do STF, de cunho técnico, apenas determinou que os casos de corrupção que não estejam ligados ao petrolão, por exemplo, os do “eletrolão” e suas obras, em inícios, o da Nuclebrás, o do Ministério do Planejamento (sede em Brasília), o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o dos fundos de pensão que nem começaram, observem as regras de competência processuais fixadas nas leis vigentes.
Parte majoritária da imprensa e da opinião pública – como se vê nas redes sociais – viu, na decisão do STF, vero golpe para nulificar os esforços do juiz Moro, eleito hoje herói nacional, duro e intimorato algoz do governo que nos governa há 13 anos.
Penso que há aí exagero e desinformação, embora entenda perfeitamente o sentimento da nação nesse caso. Com efeito, estamos tão cansados da impunidade e das “pizzas” em que se transformaram as ações contra os poderosos, que nos sentimos desconfiados, como se o “tal desmembramento” fosse um golpe no justiceiro juiz da vara paranaense. Daí merecer nosso respeito o voto e a opinião do ministro Gilmar Mendes, temeroso de manobras palacianas.
Prefiro não comungar o “voto de desconfiança” nos outros juízes criminais da Justiça Federal. Juízes federais de todo o país aprovaram em 25/9/15 a “Carta de Florianópolis”, que reflete as principais conclusões do IV Fórum Nacional dos Juízes Federais Criminais (Fonacrim), divulgado apenas dois dias depois da decisão do STF. Quatrocentos operadores jurídicos estiveram presentes; 170 eram juízes federais. Não é só um Moro, são 170 Moros!
O documento, ademais, apoia a PEC 15/11 do Senado e o projeto da Associação dos Juízes Federais para prender o réu que responde solto, após a condenação em 2ª instância ou pelo júri popular, em nada ofensivo ao princípio da presunção de inocência (os advogados criminalistas só admitem que a presunção desapareça com o trânsito em julgado da decisão condenatória penal, favorecendo o réu). Nem nos EUA isso ocorre!
Em Nova York, o procurador Deltan Dallagnol disse que a decisão “foi uma derrota”. Discordo. Ele é que praticou uma “barretada”. Quer ser o dono de todas as investigações sobre corrupção no Brasil. Como diziam os romanos, vanitas vanitatis (tudo é vaidade). Nem deveria se referir assim, no estrangeiro, à Corte Suprema do Brasil. Merece repreensão.
Por último, no STF, o juiz Teori cuidará, apenas, dos réus com foro privilegiado ligados ao petrolão. Outros ministros serão sorteados para os outros focos de corrupção. Nada mais lógico. A questão probatória se resolve processualmente, embora nessa área as provas se entrelacem nos diversos processos. É que os corruptos e corruptores se entrecruzam no “petrolão”, no Ministério do Planejamento, nas obras de engenharia do Ministério das Minas e Energia e assim por diante. Aqui assiste razão àqueles que acham acertado acumular tudo em cima do juiz Moro. A coleta e a organização das provas serão dificultadas.
Contudo, essas dificuldades podem ser superadas pela troca de informações. São os ossos de ofício para julgar com justiça e isenção, sem correr da lei.
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