Vai bem o esforço do Congresso brasileiro, bicameral (o Senado representando os estados-membros da Federação, com três senadores cada um, e a Câmara dos Deputados representando, na União, o povo dos estados). Muitos interpretam a intensa atividade do Legislativo federal e suas decisões como atos de confronto, em desfavor da presidente Dilma, chefe do Poder Executivo. Não devemos pensar assim, e pelo contrário, achar salutar o protagonismo do Poder Legislativo e também do Poder Judiciário. Este último vem de fulminar em tempo recorde, menos de um mês, em ação da magistratura, tese pela qual os atuais ministros deveriam ser novamente sabatinados, caso decidissem ficar até o termo final da aposentadoria compulsória aos 75 anos (“Lei da Bengala”). Mas adiantou – em respeito ao legislador – que o novo limite não é aplicável por decisão judicial aos desembargadores dos tribunais de Justiça, dependendo de ato competente do legislador federal no tangente à União e dos legisladores estaduais e municipais em suas esferas. Não é que se deva, necessariamente, trabalhar, mas ser obrigado a não trabalhar após 75 anos.
Estivemos o tempo todo acostumados ao predomínio do imperador do tempo da monarquia, investido do “poder moderador” (século 19), um regime parlamentarista centralizado. Depois, aos autoritários presidentes da 1ª República (política do “café com leite”), quando predominavam os então presidentes de São Paulo e Minas Gerais, em detrimento do resto do país; e ao Estado-novo de Getúlio Vargas, cujo domínio político pessoal durou de 1930 a 1945. Finalmente, aos governos militares durante 21 anos a partir de 1964, quando os governadores eram indicados pelo general-presidente e sufragados pelas assembleias legislativas. Agora, ao presidencialismo de coalizão desde 2003, quando Lula assumiu o governo da República até o 1º mandato de Dilma, finado em 2014, marcado pela submissão do Legislativo, cooptado pela dação de cargos, benesses, sinecuras e dinheiro de contado. Criamos um sistema abominável de 29 partidos, a maioria nanicos, e 38 ministérios, na base do “troca-troca” e da corrupção. Foi Lula que o estruturou, apavorado com a incapacidade numérica do PT para governar apenas com uma coalizão aceitável de afinidades programáticas. Esteve ele ciente do acontecido com Collor, cujo impeachment somente ocorreu por sobrar-lhe mandonismo, soberba e pequeno apoio congressual, por ele menosprezado, achando-se um César confiado no apoio maciço do povo.
No período Lula/Dilma, até janeiro de 2015, o Congresso brasileiro foi capacho pisado pelos presidentes da República. Mas Lula sabia pedir e afagá-lo, o que Dilma nunca soube fazer, dado o seu temperamento de “rainha”, ou mais apropriadamente de pessoa autoritária, mas sem habilidade política para articular apoios e programas de governo. Está longe de Juscelino e de suas “metas”, todas alcançadas. Há políticos vocacionados para administrar: Anastasia, Juscelino, FHC, Lacerda, Antônio Carlos Magalhães. É um dom.
Nessas circunstâncias, o fato de o Senado e a Câmara dos Deputados exercitarem opiniões próprias, dividindo com o Executivo as funções de emitir normas jurídicas e exercer políticas públicas, deve ser saudado como prática democrática salutar, pois as divergências e a complementaridade dos poderes políticos na República são a regra, não a exceção. Nós é que estávamos psicológica e historicamente viciados no monolitismo político como método de exercer o poder. O deseducado Cid Gomes bem expressou isso ao dizer que a “base” legislativa não tinha que ficar matutando, mas votar os projetos do governo sem tugir nem mugir. Não poderia o ex-grão-vizir do Ceará ou o faraó das obras inacabadas dizer coisas tão primárias. Ao cabo, os Gomes são da elite cultural do Crato, a Rainha do Sertão.
A Constituição não subordina um poder a outro, mas, ao revés, na esteira da teoria política da tripartição dos poderes, insiste no dogma de que a divisão é para evitar a tirania, que, no passado da humanidade, e ainda hoje, em certos lugares, concentra em um César, daí tzar, em russo, e cáiser, em alemão, o poder de ditar todas as regras (ditadura). Criar, aplicar regras jurídicas, comandar o país, o estado, o município, julgar o povo e seus partícipes são poderes que não podem ficar nas mãos de uma só pessoa.
Os três poderes são autônomos, independentes e harmônicos, implicando limites, aceitação, respeito mútuo e a sabedoria de que assim deve ser a mecânica governativa. Não é turrice senão a lição dos tempos idos e sofridos que aconselham agirem eles separadamente, a bem da Nação.
E há um quarto poder, informal mas eficaz, a opinião pública, daí a liberdade de imprensa. Nesse item, Dilma é nota 10, ao contrário de Lula. Não nos calou porque não pôde, mas quis (e quer).
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