Depois do embate na Ucrânia, vem à luz o conflito pela Eurásia, entre os EUA/EU/Japão e o bloco eurasiano, até então restrito ao Observatório Internacional da Geopolítica. Ele acontece em três “fronts”: o do centro europeu nas fronteiras da Rússia; o do Oriente Médio envolvendo a Síria e o Iraque, nas vizinhanças do Irã; e o do mar da China, cercando o crescimento chinês.
O bloco eurasiano compreende a Bielorrússia, a Rússia, o Cazaquistão (certamente o Uzbequistão), o Irã e a China. No Ocidente, fustiga-se a Rússia. No Oriente Médio, Arábia Saudita à frente, aliada dos EUA, o avanço é das ricas monarquias absolutistas a incitar todos os grupos radicais sunitas, exceto a irmandade, para tomar o poder na Síria e no Iraque, isolando o Irã. No extremo oriente, os EUA buscam alianças sub-regionais contra a China.
Movimentos russos se opuseram às investidas dos EUA-EU: a) a anexação da Crimeia; (b) a formação do bloco Bielorrússia, Rússia e Cazaquistão no centro da Eurásia; (c) o direcionamento de gasodutos e ferrovias da Rússia para a China e Coreia do Norte, incluindo o contrato de US$ 400 bilhões para fornecer gás; (d) a desnuclearização do Irã, a impedir o planejado ataque israelense àquele país; e (e) a defesa intransigente de alauitas, xiitas, curdos e cristãos na Síria contra o sunismo. Três movimentos iranianos esclarecem o conflito: (a) a renúncia à bomba atômica; (b) o apoio ao Iraque chiita, em caso de divisão, a leste e a sul de suas fronteiras; e (c) a manutenção política do Hesbolah (o Exército de Deus) na Síria e no Líbano. A China também movimentou-se: (a) fez um tratado histórico com a Rússia, dissipando a intriga de que lhe cobiçava a sibéria asiática; e (b) convocou Putin para formar o grupo eurasiano, assinar a construção do gasoduto sino-russo e assegurar ao Irã a compra do seu petróleo.
A Eurásia tem uma população de 1,4 bilhões na China, 220 milhões (Bielorrússia, Rússia e Cazaquistão), 80 milhões no Irã, num total de 1,7 bilhão de pessoas; 90% das terras raras do mundo, 60% dos minerais, força atômica, água, gás, petróleo e terras aráveis. O bloco é econômico, político e estratégico, daí o cerco que sofre.
O argumento democrático não está em causa. Os waabitas da Península Arábica são autoritários (as mulheres sequer podem dirigir) e fornecedores fiéis de petróleo ao Ocidente. Oprimem a democracia no Egito, na Tunísia e na Líbia. Todos os grupos terroristas são sunitas: os talibãs, treinados pelos EUA para lutar contra a URSS, a Al-quaeda, cujo mentor era de ilustre família saudita, a frente Al-Nusrri e a irmandade muçulmana salafita. Os EUA estão saindo do Oriente próximo e deixando que a Arábia Saudita, o Catar e o Egito estabilizem a região tornando-a anti-Irã. Os EUA não mas agirão (fingem preocupação).
A Rússia defende decididamente a Síria, alauita, variação do xiismo, o Irã e o Iraque xiita, facção islâmica sem terrorismo, o que agrada à Rússia e à China, por terem fronteiras com comunidades sunitas terroristas. Cinco caças russos já estão em Bagdá, contra o “Califado do levante” (califa é uma espécie de papa muçulmano).
De notar as conexões. Primeiro, as “insurreições” na Síria, e, agora no Iraque, exigem recursos permanentes (das monarquias ricas da Península Arábica) e apoio tático, para desestabilizar dois governos xiitas vitais à segurança do Irã. O problema é que o califado sírio-iraquiano pode perturbar tanto o Irã quanto as monarquias (a irmandade e salafitas egípcios estão infiltrados com doações comunitárias).
Segundo, o bloqueio do gás russo. A Bulgária paralisou as obras de um novo gasoduto construído pela Rússia – sem passar pela Ucrânia – para a Europa. Autoridades dos EUA obrigaram a Bulgária a parar o projeto. O South Stream elevaria o poder da Rússia em relação à Ucrânia, ao permitir a Moscou suspender o envio de gás sem afetar o suprimento da Europa Central. Dragomir Stoynev crê que o projeto acabará sendo retomado. “Se considerarmos a situação estratégica sem emoções, o projeto South Stream parece irreversível e importante para a Europa e para a Bulgária”, disse ele a rádio búlgara.
Terceiro, a subida das tensões no Extremo Oriente. Gideon Rochamn, analista do Financial Times, observa que nos últimos 30 dias, as marinhas russa e chinesa realizaram exercícios conjuntos, da mesma forma que a dos Estados Unidos e a das Filipinas. O secretário de Defesa dos EUA e o vice-chefe Militar da China no Diálogo de Shangri-la, em Cingapura, fizeram discursos confrontadores. Chuck Hagel acusou a China de “intimidação e coerção”. Pequim respondeu que os EUA e Japão vêm realizando “desafios e ações provocadoras contra a China”. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, defendeu a lei internacional, mas o fez com tal veemência que um observador disse “nunca ter visto ninguém defendendo a paz de forma tão agressiva”. São as marés da história. A boa notícia é que os conflitos são localizados. A guerra é geoeconômica.
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