A nação arcaica continua a reverberar a caipirice nacional que martiriza a língua portuguesa, tipo “prá mim fazer”, mas se obriga a pronunciar corretamente as palavras estrangeiras normalmente inglesas e algumas francesas. Temos uma religiosidade avessa ao capitalismo e, supostamente, aos “bens materiais” (a ausência deles é a pobreza, a vida sub-humana). O Brasil escancara seu apego ao “papel passado”, aos carimbos da burocracia. Somos como Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, abusado, desorganizado, improvisador. Os maiores vieses do arcaísmo são desconhecer a Constituição, a corrupção endêmica (ganhar sem trabalhar para folgar) e o culto ao poder paternalista e policial do Estado com seu fiscalismo onipresente, a tratar os contribuintes como reles sonegadores. O ser cidadão contribuinte não entrou em nossa mente colonizada. É pela seara do tributo que daremos revista em algumas maluquices nacionais.
Não bastasse a penhora on-line, que mete a mão em dinheiro depositado nos bancos sem pedir licença, desorganizando o caixa das empresas, os fiscos querem “protestar” as certidões de dívida ativa nos cartórios para todo mundo ficar sabendo, levando o empresário à lona (na outra ponta, os bens do Estado são impenhoráveis, daí os suplicantes precatórios, títulos podres).
Quem tiver o nome inscrito no protesto é levado à Serasa e SPC, não conseguirá tomar dinheiro junto aos bancos nem comprará dos fornecedores a prazo, somente à vista. É como, deliberadamente, condenar o contribuinte à falência. Mas o Código Tributário Nacional, de superior hierarquia jurídica, dispõe: “Artigo 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.
Aproveitando sua competência para legislar sobre direito registral, a União publicou a Lei Federal 12.767, estipulando como títulos sujeitos a protesto a certidão de dívida ativa (CDA) da União, estados e municípios. A Fazenda tem outros meios previstos na Lei de Execuções Fiscais – como indicar bem a penhora – para pressionar o devedor a pagar suas dívidas. Esses protestos têm natureza de sanção política e inviabilizam a atividade econômica do contribuinte. Existem diversas súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) que vetam medidas semelhantes como forma de coagir o devedor.
Vejamos outra loucura: a Lei 12.683/2012, com a finalidade de combater o crime de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, quer tornar todo mundo delator. O artigo 9º estabelece a listagem das obrigações impostas às pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: “a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.” As pessoas referidas deverão comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), operações que julguem suspeitas, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive aquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 horas.
Os advogados, o respeito é evidente, não foram incluídos na lei porque a legislação específica lhes impõe o sigilo profissional, não podem delatar os seus clientes. A mesma regra de sigilo existe na lei de regência da profissão contábil e de outras profissões regulamentadas (evidente que estão sendo desrespeitadas).
O professor Janir Adir, advogado e contabilista, aduz: “O governo do país, fechando os olhos às próprias mazelas, transfere aos particulares as tarefas de fiscalização e controle cuja responsabilidade é do Estado, atribuindo-lhes a missão até mesmo de avaliação das operações e sua caracterização como ‘suspeita’, e finalmente transformando-os em delatores”.
Quem conhece bem a história, haverá de lembrar-se do fascismo e do nazismo. As maluquices tupiniquins são de outra natureza, são coisas do ABC paulista, dos pagos lá do Rio Grande do Sul, de Macunaíma mesmo. Ao Brasil faltam os dois requisitos fundamentais de uma boa governança: gestão e coordenação. Quem achar que a governança do país é regular certamente tem a cabeça desregulada.
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