Há lugares adequados ao uso da bicicleta, mas entupir a cidade, qualquer cidade, de ciclovias morros acima beira a insanidade
Sérias ameaças partidas da BHTrans pairam sobre os belo-horizontinos, relativamente às providências que vai tomar. Sempre gostei de bicicletas, mas esperar delas soluções urbanas é demais. Há cidades famosas pelo seu uso como meio de locomoção. Governador Valadares (MG) é uma delas; a cidade é toda plana e pequena.
Quando estive na China, o uso da bicicleta era massivo em cidades planas como Pequim e Nanjing. Da segunda vez, nove anos depois, não era mais. O metrô e os veículos leves sobre rodas e trilhos predominavam.
De Paris, capital do charme, vem a ideia de usar bicicletas para ir e vir a locais pontuais. Os daqui acham que é “a solução”, o “dernier crie”, justo lá, com um metrô fantástico, verdadeira teia de aranha no subsolo da região metropolitana, boas estradas, bons trens, um anel de contorno unindo o banlieue – subúrbios – à velha capital, além de via expressa no miolo urbano unindo os diversos arrondissements (bairros-distritos a formar um caracol).
Belo Horizonte é montanhosa. Brasília é quase plana, topografia de cerrado. O alcaide da capital mineira, ironicamente de sobrenome Lacerda, consentiu que a BHTrans tome decisões equivocadas. Vamos lá. Carlos Lacerda – não confundir com Marcio Lacerda – fez o aterro do Flamengo, o Túnel Rebouças, o calçadão e o alargamento da orla de Copacabana. Sem essas obras o Rio, certamente, estaria hoje intransitável. Brasília tem avenidas e pistas amplas ligando a capital às cidades satélites. Quem quiser que vá de bicicleta, a tração humana (melhor a moto).
Mas inexiste no DF a paixão da BHTrans pela velha bicicleta. Quer ampliar os 60 km de ciclovias atuais para 200 km até 2016 e 360 km em 2018, estreitando ruas e avenidas. E, para punir ainda mais os sofridos motoristas, vão alargar as calçadas (de resto esburacadas) e fechar quadras inteiras na região central, hospitalar e comercial (Barro Preto). Em vez de facilitar, quer dificultar a vida dos motoristas, impossibilitada de condená-los à morte. Logo nos sugerirá o uso intensivo de patins. Teremos “patinvias” à vontade. São Paulo, junto com a sua região metropolitana, forma um tecido urbano compacto como BH, porém menos montanhoso, multiplica o quanto pode as suas soluções viárias. Em BH só se pensa em bicicletas, alargamento de calçadas e estreitamento de ruas. Nenhuma cidade no Brasil deve cair no conto da bike!
Causa espanto aos visitantes as supercoloridas e desertas ciclovias de BH. Acontece que somente uns gatos pingados as utilizam. Se utilizassem, estariam em meio a gases veiculares, à truculência do trânsito e a uma cacofonia insuportável, tamanho o buzinaço diário, nervoso, irritante, sem contar as subidas e o excesso de cruzamentos duplos, triplos e, às vezes, quádruplos. Como atravessar cruzamentos tão irracionais? Seria como andar nas savanas africanas, no meio de animais a correr em selvagem tropel. Há lugares adequados para ciclovias: no Parque JK, no entorno da Pampulha, nas vias internas da Avenida dos Andradas e outros, mas entupir a cidade, qualquer cidade de ciclovias, morros acima, por toda parte, beira a insanidade.
Mas a incompetência gerencial, a falta de planejamento não são imputáveis apenas a prefeitos. Veja-se o Dnit, responsável pelo anel dito rodoviário. Deveríamos tê-lo como urbano-rodoviário de BH. O governo federal gastou horrores para aumentá-lo, recapeá-lo e sinalizá-lo, com resultados pífios. Esqueceu-se do essencial: duplicar os muitos viadutos que servem para transpor as grandes avenidas e caminhos que demandam o Rio, São Paulo, Brasília, a Pampulha, o Vale do Aço. De repente, as pistas se reduzem a uma ou duas (mão e contramão). São gargalos, fator de retardo na velocidade e retenção de veículos, a formar filas imensas, aqui e acolá, verdadeira deseconomia produtiva. A nossa engenharia de trânsito passa-nos a ideia de gestores canhestros. Recuso-me a debitar na genética lusa a culpa. O defeito é nacional ou pelo menos regional, pois não devo criticar a vizinhança. Críticas pelos Brasis afora são feitas diariamente pelas mídias locais.
No Brasil da politicagem, do “presidencialismo de coalizão” (40 ministérios), incentivado por Lula em nome da governabilidade (32 partidos que ninguém sabe o que predicam ou por que existem), fazer negócios à sombra do poder virou o objetivo primacial dos políticos. Mas na administração da coisa pública em favor do cidadão, do eleitor, do contribuinte, que são nossas identidades em face dos governos que nos devem eficiência na saúde, na educação, na segurança pública, na mobilidade com conforto e rapidez, somente se vê improvisações, descaso e gastos superfaturados. Que se danem todos, que se mudem para o inferno, de preferência usando bicicletas. As regiões metropolitanas do Brasil estão próximas de enfartos urbanos. Soluções comuns e eficazes são necessárias e urgentes, a bem do país.
Faça seu comentário