Aqui é o paraíso da bandidagem, do suplício dos inocentes, da impunidade dos poderosos, do falar muito e do nada fazer
A nossa idealista Ana Paula Maciel, ativista do Greenpeace presa na Rússia, relatou em entrevista suas conversas em duas cartas escritas à família. São frases cheias de emoção e esperança: “Estou bem, tenho momentos de fraqueza, mas aí eu rezo mais forte, a vida é muito curta para a gente se sentir miserável por muito tempo”. Ela é bióloga e tem pouco mais de 30 anos. Embora bem tratada, em cela individual, na prisão em Murmansk, reclama por ter “apenas uma hora de recreio para passear (…), os guardas, carcereiros e enfermeiros são todos gentis, mas temos que cumprir as rotinas de segurança do presídio”. Ela morava, antes de ser presa em águas territoriais russas, em Porto Alegre, com a mãe, a irmã e uma sobrinha. “No fundo”, emenda a moça, “eles sabem que não somos criminosos”. A presidente Dilma está em contato com as autoridades do país, a ver o que pode ser feito.
Foi presa por barcos da guarda marinha, tendo a promotoria a acusado de “crime de pirataria”. Me surpreenderia se o “jeitinho brasileiro” demovesse as autoridades russas de levar o caso até o fim. Os advogados conseguiram virar a denúncia para vandalismo. Há algum tempo, um surfista brasileiro, que entrou em Cingapura com uma partida de cocaína dentro da prancha, foi condenado à morte. Lula conseguiu o indulto do sultão, que comutou a pena para prisão perpétua. A Cingapura interessava, acima de tudo, mostrar ao mundo a sua intolerância ao tráfico e consumo de narcóticos. À Rússia interessa mostrar ao mundo sua aversão a qualquer intromissão estrangeira em seus assuntos, no imenso território nacional. Resta-nos o consolo de uma cela individual – o inverno polar está chegando – e os bons tratos no cárcere. E que o devido processo legal seja obedecido, aplicando-se a lei com a equidade conveniente ao caso, ou seja, que desencoraje atos semelhantes, mas não tão duramente a ponto de igualar defensores do meio ambiente a criminosos.
Ana Paula teve mais sorte que Jean Charles, sumariamente executado no metrô de Londres, em que pese a fama de cortês da polícia britânica, outro mito desfeito junto com o suposto – nunca existiu – respeito aos direitos humanos dos presos nos EUA. Existe no cinema, não em Guantánamo, tão sombria como as prisões do Gulag soviético.
Entre nós, as coisas são piores. Não há policiais nas ruas contra o crime desorganizado, improvisado, casual, nem inteligência para abafar financeiramente o crime organizado permanente. A União, a quem compete, não se dá ao trabalho de organizar a guarda marinha, não patrulha a costa, nem vigia ou controla as fronteiras secas e o espaço aéreo. O entra e sai é constante, de criminosos, contrabandos, mercadorias, armas e drogas. Tampouco constrói penitenciárias, larga tudo nas costas dos estados.
Nós brasileiros pensamos que os outros povos lidam com os crimes e as penas com a mesma leniência de nossos frouxos governos. Protesta-se arruinando as propriedades alheias. E berram: “Não tenho casa, não tenho terra, vamos pegar no peito”. Roubam e destroem e fica por isso mesmo. Aqui é o paraíso da bandidagem, o suplício dos inocentes, a impunidade costumeira dos poderosos, a terra da leniência, do falar muito e do nada fazer, da insegurança geral em qualquer lugar, desde a escola ao recesso do lar.
Somos o país da barbaria que, segundo a Academia de Letras de Oliveira, MG, é o vernáculo adequado para nos classificar (barbárie é estrangeirismo). Por aqui está tudo errado, a começar pela partição do produto arrecadado. A União fica com 70%, os estados com 20% e os municípios com 10%. Mas educação, transportes urbanos, saneamento, administração de presídios e segurança pública são atribuições de estados e municípios na ordem inversa da repartição dos recursos tributários. A Federação como está, já se vê, não poderá dar certo em tempo algum. É preciso instruir o povo sobre isso, não apenas sobre o Bolsa-Família e outras bolsas do “coronelismo de estado” do PT/PMDB, no governo há longos 12 anos.
Mas que se não culpe só o governo. Temos um viés bem antigo. Quando se trata de pobres, pretos, prostitutas e quejandos, a imprensa nem ninguém se importa, nem advogado nem juiz. Mas se for um “bem nascido” ou um “bem posto” na vida, corremos todos a socorrê-los, caso da Ana Paula!
Nossas penas superleves, cujas funções são punir os criminosos, servindo de exemplo a outros inclinados a delinquir, e depois recuperá-los, não realizam nenhuma delas, agem ao contrário: não punem, estimulam o crime e tornam a recuperação motivo de chacota. Em verdade, existem mais ordens de prisão do que celas disponíveis e decentes, como as de Murmansk na Rússia, prontas para receber os facínoras armados que nos assaltam e matam todos os dias. São 2 mil assaltos por mês no país. Eles armados e nós desarmados. Não temos a quem recorrer. Que a sorte, dia após dia, não nos seja madrasta.
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