A condenação dos mensaleiros tem levado “cientistas” políticos a judiciosas considerações que são verdadeiras pérolas
Bastou o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar notórios malversadores da coisa pública, para que a “intelectualidade” nas universidades iniciasse “judiciosas considerações” sobre a “judicialização da política” e a “onipotência das togas”. Deparei-me outro dia com uma pérola dita por uma dessas sumidades: “Juízes não podem ser os donos da verdade. Afinal, a democracia só é possível dentro dos marcos do pluralismo das ideias, e as decisões da Justiça não podem extirpar a possibilidade do surgimento dos conflitos sociais e da plena mediação de tais conflitos por todos os poderes republicanos, não somente pelas vias jurídicas e judiciárias”. (Robson S. Reis Souza – Vox Objetiva– n. 43 – Ed. Vox Domini – p. 23).
Para começar, o texto é confuso, quase ininteligível, e por ser pouco versado em direito constitucional, quer excluir o Poder Judiciário justamente do que o justifica: mediar os conflitos interpessoais, sociais e intergovernamentais, cabendo-lhe o poder de anular leis contrárias à Constituição editadas pelo Poder Legislativo (controle de constitucionalidade das leis e atos normativos) e anular atos administrativos contrários à Constituição e às leis praticados pelos agentes do Poder Executivo. Aí reside o “judicial review” ou a chamada supremacia do Poder Judiciário prestigiada pela Carta Republicana de 1988, cabendo ao STF “a guarda da Constituição” e a sua definitiva interpretação.
Recentemente a Suprema Corte norte-americana declarou que a reforma de Obama, obrigando os americanos a possuir planos de saúde e atribuindo ao governo o dever de socorrer aqueles que não pudessem fazê-lo, estava conforme a Constituição daquele país. Quem judicializou a questão atacando a lei foi o Partido Republicano. A última palavra, tanto lá (como cá), coube ao Poder Judiciário.
Como o nosso filósofo interpretaria esse fato? Suponho que não repetiria a barbaridade com que encerrou seu artigo: “A Constituição de 1988, a carta cidadã, estabelece em seu artigo 1º, parágrafo Único: ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’. Portanto, está claro e cristalino: não é o Judiciário quem dá a última palavra…” Ora essa, sendo assim, cabe indagar-lhe quem dá a última palavra: o senador Renan Calheiros, presidente do Senado? O deputado Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara dos Deputados? Ou será a presidente Dilma, chefe do Poder Executivo? Ou será o povo em praça pública? Como fica o artigo 102, I, a e b da Constituição da República: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; b) nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República”.
O artigo supra, que põe o Supremo como julgador único e originário dos chefes dos demais poderes da República, porventura não lhe confere a última palavra? Se V. Sa. está preocupado com a condenação e a prisão dos mensaleiros, aconselho-o a ir além do artigo inaugural da nossa Constituição. Leia, depois de percorrer o Código Penal (artigos 91 e 92), o artigo 15 da superlei, que prescreve a perda de cargo eletivo ou função pública em caso de condenação criminal, com pena superior a um ano, em crimes praticados com abuso de poder e contra a administração pública, ou por improbidade administrativa.
Depois, vá ao artigo 55 da Carta Política, que, no caso do inciso IV (perda dos direitos políticos: votar, ser votado, exercer mandato eletivo ou função pública), determina no seu parágrafo 3º: “Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, (omissis)”. Os mensaleiros foram condenados a penas superiores a um ano, por crimes contra a administração pública. Devem sair do Congresso Nacional como prescrevem a ética e o bom senso. O ato do presidente da Câmara Federal terá natureza meramente declaratória, pois o ato constitutivo e a judicial perda dos direitos políticos é a sentença criminal transitada em julgado, cassatória dos direitos políticos como determinou o povo, pois dele é que emanaram todos os poderes e competências insertos na Constituição em favor do Poder Judiciário.
A política é serva da lei e não o contrário. Aliás, o que estão a fazer os deputados e senadores de SP, RJ e ES no STF depois da derrubada dos vetos de Dilma? Precisa-se entender mais de democracia neste país de cientistas políticos “bolivarianos”.
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