O Brasil referendará o golpe branco venezuelano ou dirá que se cumpram os tratados e a Constituição do país? Eis a questão.
No seu discurso de despedida, Chávez avisou à Venezuela sobre a possibilidade de morrer e recomendou, com a Constituição à mão, que elegessem Maduro na eleição por vir. Àquela altura, Maduro era constitucionalmente vice-presidente, devidamente indicado por Chávez. Hoje não o é mais. Desde o momento em que Chávez não pôde tomar posse, por estar acamado (não se sabe até hoje o seu real estado de saúde), Maduro deixou de ser o vice-presidente constitucional, tornou-se um cidadão comum. A Carta bolivariana dispõe que o presidente do Poder Legislativo, Diosdado Cabello, em caso de vacância, assume o Poder Executivo interinamente e convoca eleições presidenciais dentro de 30 dias para supri-la (por incapacidade física, mental, morte ou impedimento do titular).
A posse simbólica de Chávez, com a multidão ocupando as ruas, não passa de pantomima. Hitler e Mussolini encheram praças e avenidas para se legitimarem. Segundo a Constituição do país vizinho, a democracia ali é representativa, e não direta ou simbólica, com as massas substituindo o eleito ausente, como se fosse um corpo político místico. A Suprema Corte venezuelana é leniente e parcial, todos os seus membros são amigos pessoais de Chávez e por ele foram indicados para o cargo. Maduro tornou-se usurpador do cargo de presidente da Venezuela em exercício, por obra de conchavos tramados em Havana, como se fosse ela a capital do país. Os cubanos temem Diosdado e procuram ganhar tempo. O golpe antidemocrático ocorreu em semanas, deixando o povo, a oposição e os países vizinhos em estado de perplexidade. Como em toda ditadura, inexistiu transparência política.
Hipocrisia, desfaçatez e interesses econômicos estão em jogo. Cuba recebe 90% do petróleo de que precisa da Venezuela e paga com agentes secretos, missões médicas, professores, assistentes sociais e milicianos. A Argentina, sob cerco internacional, conta com a inércia do Brasil em castigá-la pelos abusos comerciais e a boa vontade da Venezuela, que lhe compra os títulos da dívida, embora a juros salgados. Os EUA suprem em 60% o mercado interno da Venezuela e dela compram 90% do petróleo a preços baixas, ante a desvalorização da moeda local corroída pela inflação.
Inconstitucionalidades ferem os tratados da OEA, Unasul e Mercosul, coassinados pela Venezuela. Durante o socialismo do século 21, o país – pouco industrializado – viu fábricas se fecharem e um êxodo de empreendedores rumando para Miami e a Colômbia. A produção desorganizou-se e hoje a Venezuela vive exclusivamente das receitas do petróleo. Internamente, como provaram as últimas eleições, Chávez obteve o apoio de 56% dos votantes, uma gente que vive, mora e come às custas do Estado, sem ter o que fazer.
O Brasil, se não apoia o que se passa na Venezuela, por outro lado não desaprova o golpe de Estado que mantém como presidente um morto ou moribundo (dado que nada se sabe dele) e como vice (em exercício) um cidadão nem sequer indicado para tanto. Aqui o busílisda questão. Nos últimos 10 anos a política de cautela da diplomacia do Brasil, internacionalmente reconhecida, foi substituída pelo ativismo corporativista e pela “diplomacia de amigos”, ou seja, de chefes de Estado ideologicamente irmanados, a trocarem tapinhas e abraços, todos populistas, e democratas por conveniência, a temerem a deposição, seja pelas Forças Armadas, seja pelas oposições, onde elas se fizerem possíveis, como no Brasil, Paraguai e Honduras. Os caudilhos hispânicos descobriram que poderiam chegar ao poder com o populismo (políticas paternalistas em prol dos despossuídos). Após ganharem as eleições reprimem as oposições, conspurcam os poderes Legislativo e Judiciário, e a liberdade de imprensa, até o limite de resistência de cada sociedade da região sul-americana e caribenha.
Pela chamada “cláusula democrática” alegam que ninguém pode tirá-los do poder se não por meio de eleições. Foi com espeque na cláusula democrática que Lula armou a crise hondurenha, tornando a nossa embaixada uma latrina. A mesma cláusula foi acionada para demonizar o legítimo impedimento do bispo Lugo no Paraguai, expulso sem maiores considerações, do Mercosul e da Unasul, justamente para desobstruir a entrada da Venezuela, barrada pelo Congresso daquele país. O Brasil, com Dilma, participou ativamente do imbróglio guarani.
Agora, entretanto, não foi a oposição, mas o destino, que derrocou Chávez. Para nós importa como a presidente Dilma irá comportar-se. Ela não poderá omitir-se. Até poderia se tivesse mantido o clássico princípio da não intervenção nos assuntos internos de outras nações. A era Lula, entretanto, regeu-se por outros parâmetros. Ela é a continuadora desse tempo. O Brasil referendará o golpe branco venezuelano ou dirá que se cumpram os tratados e a Constituição do país? Eis a questão! Dize-me com quem andas e te direi quem és (provérbio português).
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