Deputados não têm o poder de interpretar a Constituição, mas o dever de cumpri-la, tal e qual é entendida pelo Supremo
O candidato governista à Presidência da Câmara dos Deputados declarou que vai proteger os deputados condenados por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha no processo do mensalão, além de reafirmar, como já o havia feito o presidente da Câmara atual, ser da competência exclusiva do Legislativo o poder de cassar mandatos eletivos.
Se a moda pegar veremos os tribunais defender as prerrogativas dos “seus juízes” e o Ministério Público a de “seus procuradores” e assim por diante. Um sujeito condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme sejam o crime e as penas, torna-se simplesmente presidiário ou detento em casa de albergado, no regime semiaberto, sem um ou mais direitos políticos (votar, ser votado, exercer cargo público ou mandato eletivo), caso contrário teríamos dois tipos de deputados, os condenados e os ordinários, ambos votando leis, emendas à Constituição e participando de comissões. O despautério dispensa comentários.
O deputado Henrique Alves (PDT-RN) é homem de luzes, sabe muito bem a Constituição. Ele nos remeteria ao artigo 15: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos caos de : “III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.” Não é o caso? Em seguida ele nos enviaria ao Código Penal na parte dos efeitos genéricos e específicos das sentenças criminais: “Art. 92 – São também efeitos da condenação: I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo – a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública”.
Não é o caso dos quatro deputados – agora temos o Genoino – condenados no mensalão? A resposta é afirmativa. Exatamente por isso a Constituição, no artigo 55, traz três incisos com redações absolutamente diversas, se não vejamos. Art. 55 – Perderá o mandato o deputado ou senador (omissis) IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos (aplicável ao caso em exame); V – quando o decretar a Justiça Eleitoral nos casos previstos nesta Constituição (crimes eleitorais, etc.) VI- que sofrer condenação em sentença transitada em julgado.
Poder-se-ia dizer que há redundância na Lei Maior. Os parágrafos esclarecerão esse ponto. Quando se trata de condenação privativa da liberdade de um ano ou mais e o crime tiver sido – é o caso – contra a administração pública, além de praticado com abuso de poder, na espécie do poder de votar no Congresso, aplica-se o parágrafo 3º do artigo 55: “Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou partido político.” Aí a função do Congresso é meramente declaratória, ouvida a defesa do parlamentar em aspectos formais (existência de recurso, sentença não publicada). Não há votação. É ato da Mesa, homologatório da decisão judicial, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se a Mesa às penas da lei.
Resta destrinchar a lógica do parágrafo 2º do artigo 55 – “Nos casos dos incisos I, II e VI a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta (metade mais um dos membros da casa) assegurada ampla defesa”. Aqui, o verbo não é “declarar” mas “decidir”. Aqui não é a Mesa que age, mas o plenário que decide por maioria absoluta e voto secreto. Qual a razão do parágrafo 2º do artigo 55? Simplesmente proteger o parlamentar dos seus colegas. As condenações, nesse caso, não carregam penas superiores a um ano nem abuso de poder ou lesão a administração pública. São outras condutas, como por exemplo crime culposo de atropelamento sem vítimas, difamação, lesões corporais e assim por diante. Caberá então ao Legislativo ajuizar se a natureza do delito e a pena cominada são graves a ponto de levar à cassação do mandato eletivo. Portanto é a própria Constituição que indica as hipóteses em que a sentença criminal nos seus efeitos específicos já implica perda do mandato eletivo (artigos 15 e 55, IV combinados, acrescidos dos artigos 91 e 92 do Código Penal). O exegeta olha o conjunto em vez da norma isolada.
A Constituição não tolera normas contrapostas e na hipótese de existirem, a última palavra é do STF, guardião da Constituição (artigo 102 da CF), daí o ditado e o refrão vigentes aqui e nos EUA: “A Constituição é o que os ministros da Suprema Corte dizem que ela é”. Agora o refrão: “Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se”. Deputado Henrique Eduardo Alves, o senhor não tem o poder de interpretar a Constituição, mas o dever de cumpri-la, tal e qual interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Recusar-se a fazê-lo constitui crime contra o Estado democrático de direito. O Judiciário não tem armas nem polícia. Sua autoridade é unicamente moral, como predica a Constituição.
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