A perversão do sionismo em que acredito

Nenhum argumento justifica o fracasso que a morte de tantas crianças representa

POR ROGER COHEN

A questão para os judeus da Europa foi sempre a mesma: pertencimento. Sejam eles franceses ou alemães, temiam que as sociedades cristãs que os tinham aceito pela metade pudessem se voltar contra eles.

Theodor Herzl, testemunhando o antissemitismo francês durante o caso Dreyfus, escreveu “O Estado Judeu”, em 1896 com a convicção de que a plena aceitação para os judeus nunca viria. Herzl era presciente. O sionismo nasceu de uma conclusão relutante: que os judeus precisavam de uma pátria, porque em nenhum outro lugar jamais iriam estar em casa.

Os estragos da não aceitação europeia perduram. Eu entendo a raiva de um israelense, Naomi Ragen: “Eu vejo a Europa, que perseguiu nossos avós e bisavós e parentes — homens, mulheres e crianças — e os enviou para as câmaras de gás, sem questionamentos. E eu penso: eles são agora os árbitros morais do mundo livre? Eles estão dizendo para os descendentes das pessoas que mataram como devem se comportar quando outros antissemitas querem matá-los?”

Esses antissemitas seriam o Hamas, fazendo chover terror sobre Israel, em busca de sua aniquilação. Nenhum Estado, continua a argumentação de Israel, não responderia com força a tal provocação. Se há mais de mil mortes de palestinos (incluindo 200 crianças), e mais de 50 mortes israelenses, Israel argumenta que a culpa é do Hamas, para quem as vítimas palestinas são o mais poderoso argumento anti-israelense no tribunal da opinião pública mundial.

Eu sou sionista, porque a história dos meus antepassados me convence de que os judeus precisavam da pátria que as Nações Unidas votaram para existir na Resolução 181, de 1947, pedindo o estabelecimento de dois Estados — um judeu, um árabe — na Palestina do mandato britânico. Eu sou um sionista que acredita nas palavras da Carta de fundação de Israel, de 1948, declarando que o Estado nascente seria baseado “na liberdade, justiça e paz como imaginado pelos profetas de Israel.”

O que não posso aceitar, no entanto, é a perversão do sionismo que tem visto o crescimento inexorável de um nacionalismo israelense messiânico reivindicando toda a terra entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão; que, durante quase meio século, produziu a opressão sistemática de outro povo na Cisjordânia; que levou à expansão constante dos assentamentos israelenses; que isola os palestinos moderados em nome de dividir para reinar; que persegue políticas que tornam impossível continuar a ser um Estado judeu e democrático; que busca vantagem tática ao invés do avanço estratégico de uma paz baseada em dois Estados; que bloqueia Gaza com 1,8 milhão de pessoas trancadas em sua prisão e depois é surpreendido pelas erupções periódicas dos detentos; e que responde de forma desproporcional ao atacar de uma forma que mata centenas de crianças.
Isto, como um sionista, eu não posso aceitar. Judeus, acima de todas as pessoas, sabem o que é opressão. Nenhum argumento pode justificar o fracasso judaico que a morte de tantas crianças representa.

O Hamas é maligno. Eu ficaria feliz em vê-lo destruído. Mas o Hamas é também o produto de uma situação que Israel reforçou em vez de procurar resolver. Este exercício israelense corrosivo de controle sobre outro povo, criando o desprezo dos poderosos pelos oprimidos, é uma traição ao sionismo em que eu ainda acredito.

Roger Cohen é colunista do “New York Times”

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