Um país estranho

A pretensão do fisco de cobrar tributos sobre os lucros de controladas e coligadas no exterior da Vale ou de qualquer empresa não é cabível, como dirá o STF.

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Somos uma federação de estados membros, nos quais se situam municípios, cerca de 5,6 mil. Os estados são 27. Todos juntos formam a União federal. São três ordens de governo dentro da Federação. Três fiscos distintos a nos cobrar dezenas de impostos, taxas e contribuições sociais, corporativas e de intervenção econômica. Para se ter uma ideia, este ano a arrecadação total ameaça chegar a R$ 1,3 trilhão, ou 38% do Produto Interno Bruto (PIB).

Entretanto, a taxa de investimento público (capital fixo novo) não passa de 3,8% do PIB. Três esclarecimentos necessitam ser feitos: a) um país com esse nível de arrecadação, principalmente sobre o consumo do povo e o capital das empresas (PIS, Cofins, IR, CSSL e “n” contribuições), não tem moral para vir dizer que existe sonegação (de fato ela existe, mas é marginal, inexpressiva); b) os governos são perdulários, gastam muito e mal (desmazelo e corrupção) e investem pouco em saúde, educação de qualidade e infraestrutura (3,8%, já dissemos); c) o país precisa de uma taxa de investimento de 23% do PIB para crescer a 5% ao ano, ainda assim menos que China, Índia, Rússia, Turquia e África do Sul. Quer dizer: é o setor privado que precisa arcar com 20% do PIB para fazer o país crescer.

Entretanto, o ambiente de negócios no Brasil é hostil ao setor privado. Há burocracia demais, exigências sem conta, encargos trabalhistas invencíveis, crédito deficiente e caro, infraestrutura péssima e tributação escorchante. Como é possível uma situação como essa, insustentável a médio prazo, sem que a sociedade reaja, hipnotizada pela taxa de emprego? (O desemprego está em 6,1% da população economicamente ativa, e subindo). Como se não bastasse, o governo é ganancioso e prejudica o esforço do agronegócio e das grandes empresas com exigências descabidas, duvidosas em termos jurídicos. Tome-se como exemplo a questão da tributação de empresas brasileiras situadas no exterior, com estabelecimentos fixos no território de outros países soberanos (empresas controladas e coligadas no exterior). Veja-se o caso que tortura a Vale, a ser comentado no final deste artigo. Contra a teoria do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, os tratados internacionais, o bom senso e o interesse nacional, o fisco federal quer cobrar em dinheiro vivo o Imposto de Renda e a contribuição social sobre os lucros anualmente apurados, porém não realizados, não embolsados pelos acionistas, no momento do fechamento do balanço no exterior (não realização do fato gerador e descapitalização empresarial).

Depois de obter liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, para suspender uma cobrança de R$ 30,6 bilhões de Imposto de Renda e contribuição social sobre o lucro, a Vale terá que convencer os demais ministros da Corte de que seu caso é relevante para o Brasil. A discussão sobre a constitucionalidade da tributação dos lucros de controladas e coligadas no exterior está há anos na pauta do STF, mas só em abril o tema ganhou status de repercussão geral. Na medida cautelar, a Vale pedia a suspensão dos efeitos da decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região (Rio) que havia autorizado a cobrança. O Supremo Tribunal de Justiça, por três votos a dois, entendeu que não poderia conceder efeito suspensivo porque o recurso especial ainda não havia sido admitido. O ministro Marco Aurélio, porém, considerou que o cerne da discussão entre a Vale e a Fazenda Nacional será analisado por meio de repercussão geral. O tema será julgado a partir de um recurso da Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo), que tem relatoria do ministro Joaquim Barbosa, sendo anterior ao caso da Vale.

Devo explicar ao leitor que o instituto jurídico da “repercussão geral” ocorre quando dada controvérsia é assim considerada pela Suprema Corte ante a sua relevância econômica e jurídica. Por isso, acertadamente, o ministro Marco Aurélio concedeu a liminar à espera de uma decisão que ponha fim a controvérsia para todos os casos idênticos. O que realmente importa é o desate que o Supremo dará ao caso, a favor ou contra os acionistas da Vale, entre os quais os fundos fechados dos empregados das empresas estatais.

A pretensão do fisco não existe. Cobra o incobrável. Tributa o que ainda não está tributável, além de prejudicar a expansão internacional das empresas brasileiras. Mas, note-se, quem dará o desenlace não é a Vale, mas o recurso envolvendo a Coamo. O Brasil empresarial espera pelos efeitos erga omnes do julgado histórico do STF. Que prevaleça a inteligência e o bom direito, a bem do país.

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