Supremo fortalecido

A teoria do domínio do fato sempre existiu e é por causa dela que a Justiça alcança os mandantes dos mais diversos crimes.

O julgamento do mensalão colocou na berlinda uma série de questões institucionais importantes. A primeira diz respeito ao modo de nomear os ministros. Oito deles foram indicados por Lula e Dilma, mas o resultado foi completamente desfavorável ao partido do governo. Por aí se vê que os ministros – salvo exceções – foram independentes e imparciais, bastando lembrar os ministros Britto (que antes fora político pelo PT) e Fux, recentemente indicado por Dilma. O nosso sistema é copiado do constitucionalismo norte-americano. O presidente indica e o Senado sabatina, aprova ou desaprova.

Outro modelo, existente na Europa, é o das Cortes constitucionais. Os juízes supremos são indicados pelos poderes instituídos, exceto na Inglaterra e na França. De um modo geral os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada qual, os indicam entre juristas notáveis, juízes de Cortes inferiores, advogados, tratadistas, professores de direito. Não são vitalícios, que na Europa cumprem mandatos. O tempo varia de país a país (oito, 10, 12 anos). No Brasil são vitalícios, mas aos 70 anos aposentam-se. Nos EUA são vitalícios “in totum”, quer seja, na sua totalidade. A morte os extingue, ou doenças graves ou o desejo de sair, gesto raro. Ambos os sistemas funcionam bem.

No Brasil, porém, existem defeitos. Nestes tempos de PT houve muito subjetivismo e compadrio nas indicações. Especialmente o presidente Lula, que nem sempre observou, com rigor, os requisitos da Constituição: idade mínima (experiência), notável saber jurídico (ser um expoente jurídico reconhecido) e reputação ilibada (conduta moral madura). À sua vez, o nosso Senado tem sido, irresponsavelmente, um mero carimbador das indicações presidenciais, não averiguando – como deveria –, vez que corresponsável pela qualidade da Suprema Corte, pelo exame sério das condições exigidas pela Constituição.

Nos EUA um presidente democrata procura intuitivamente um ministro democrata, e vice versa, mas ambos os partidos apenas indicam juristas consagrados. O Senado desnuda a vida do indicado. Rejeições ocorreram no passado e, curiosamente, foram poucos, pois previamente o Senado manda avisar o presidente, “intramuros”, que o indicado não passará no teste. Convenhamos, eles praticam melhor o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes da República.

Por falar nisso, aqui como lá, existe o judicial review, ou seja, tanto o ato administrativo (ato por excelência do Poder Executivo) quanto o ato legislativo (ato por excelência do Poder Legislativo) estão sujeitados à revisão final do Poder Judiciário, constitucionalmente competente para declarar nulo o ato administrativo e, inconstitucional ou ilegal, a lei ou ato normativo. A tanto, denominam os estudiosos de supremacia do Judiciário, ou então de prevalência da Constituição (paramount law). Escolheu-se como guardiã da Constituição justamente a Suprema Corte.

Dito isso, chega a ser risível o confronto entre poderes que alguns leguleios estão a proclamar quanto a ser possível ou não o Supremo decretar a perda de função pública ou mandato. Reza a lei penal que – em certos crimes – a condenação implica perda de mandato ou função pública, efeito da perda dos direitos políticos. A Constituição prevê, a sua vez, a perda do mandato do parlamentar cujos direitos políticos (votar, ser votado) conste mde sentença condenatória, irrecorrível, sem necessidade de manifestação do Congresso. E o faz sabiamente, porque é impensável que o funcionário público ou agente político que violar a lei e o Tesouro, seja por peculato ou improbidade administrativa, continuem em seus afazeres depois de condenados. Imagine-se o deputado João Paulo preso, mas a votar porque o deputado Marcos Maia – à revelia do Supremo – não quis submeter aos seus pares o processo de cassação do mandato do colega e correligionário. Seria a aplicação às avessas da Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, esta sim soberana.

Uma última questão diz respeito às provas e ao anseio público. São chavões conhecidos dizer que “o que não está nos autos não está no mundo” (existiria uma antinomia entre a verdade real e a formal nos autos do processo) e que o juiz – escravo da lei – tem o dever de fechar os ouvidos aos “pedidos de condenação” das multidões (clamor público). Em primeiro lugar, o clamor público tem sua razão de ser e deve ser atendido. Quase sempre, mas nem sempre, é justo e nasce da indignação genuína do povo contra a conduta do réu (às vezes chega ao linchamento). No caso do mensalão o clamor público pela cessação da impunidade era mais do que válido e foi atendido (não no montante desejado). Inovação, não vi nenhuma! A teoria do domínio do fato foi sistematizada há 60 anos, mas sempre existiu. É por causa dela que a justiça alcança os mandantes dos mais diversos crimes. Sempre houve meios de pegá-los. Ainda bem.

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