Riscos da delação premiada

A delação premiada tem tradição no direito norte-americano, em que a crença no testemunho com a mão sobre a Bíblia goza de prestígio forense. Entretanto, o perjúrio sempre esteve presente em qualquer tempo ou lugar (falso testemunho). A prova testemunhal é “a prostituta das provas” e a confissão espontânea da autoria do delito a “rainha”, aliviando a consciência dos julgadores, embora em países de sistema penal frouxo – nosso caso – menores frequentemente se declarem homicidas para livrar adultos, pois são impuníveis aqui, ao contrário dos EUA e da Inglaterra, Cingapura, Indonésia e outras nações.

Na tradição das religiões “reveladas” (judaísmo, cristianismo e islamismo), o falso testemunho é considerado pecado. O direito romano, que moldou os sistemas jurídicos do Ocidente, considerava “testis unum, testis nulum”, fulminando a validade do testemunho único para evitar injustiças. No judaísmo mosaico, para apedrejar uma adúltera exigiam-se três testemunhas qualificadas.

Causou-nos mal-estar a inclusão do senador Anastasia (PSDB-MG) entre os investigados. Paulo Roberto Costa se disse instado a mandar dinheiro para ele. Alberto Youssef negou tê-lo feito. O “maleteiro” Careca, entregador do doleiro, não se lembrava a quem entregou certo dinheiro em Minas, onde, como, quando e quanto. Aduziu que, lendo jornais depois, lembrou-se do semblante do senador. Com base nisso, dr. Janot, procurador-geral da República, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) fosse ele investigado. No entanto, no mesmo dia, requeria o arquivamento de sete denúncias já feitas, à falta de provas a não ser citações, porém contraditórias, dos delatores. Dois pesos e duas medidas?

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No petrolão, teremos vários foros de julgamento, inúmeros recursos, na Justiça Federal e tribunais regionais federais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo. Isso dificulta a compreensão do todo. / Foto de Helena Rosado

Inquieta-nos a fala do personagem de Shakespeare sobre existir “algo podre no Reino da Dinamarca”. Não se consegue atinar como a extração de dinheiro da Petrobras em prol da “base aliada” ensejaria milhões de reais a candidato da oposição em Minas. Como na tragédia shakespeariana, o ambiente enevoado visto do castelo de Hamlet obscurece-nos a visão e o horizonte vela-se em sombras. Lula, Dilma, Dirceu e Palocci também foram citados.

Preocupa um delator premiado em prisão domiciliar. Pode ser recompensado para mentir ou ameaçado. Dos três partidos envolvidos, somente os operadores do PP (Paulo Roberto e Alberto Youssef) falaram. Fernando Baiano e Vaccari Neto, tesoureiro do PT, nada revelaram sobre o esquema criminoso. Apenas Barusco, assessor de Duque, do PT, e ex-chefe da Petrobras “abriu o bico” pra valer, o que pode incrementar a lista do pocurador-geral.

A delação em si apenas abre sendas de investigação. Em processos como o do petrolão já passou da hora de contratar firmas internacionais de rastreio de contas criminosas, de acompanhar desde 2003 a evolução patrimonial, as despesas com cartões de crédito e as contas bancárias dos investigados, bem como de analisar suas ligações telefônicas. Nada disso foi feito.

No mensalão, o julgamento concentrou-se no Supremo, mesmo o dos que não tinham foro privilegiado, pois a conexão mostrou-se necessária ao esclarecimento da organização criminosa e de seus diversos núcleos. No petrolão, teremos vários foros, inúmeros recursos, na Justiça Federal e tribunais regionais federais, no Superior Tribunal de Justiça (governadores do Rio e do Acre) e no Supremo. Isso dificulta a compreensão do todo.

Finalmente, falando dos peixes graúdos, os do mensalão foram denunciados, os do petrolão serão agora investigados pela Polícia Federal, órgão do Poder Executivo federal. Quem pensa em epílogo deve conscientizar-se de que estamos nos começos. E “tempus fugit”. Serão anos de espera, de apreensão e sofrimento, até o desenlace final. Mas uma solução política pode ocorrer antes. Nuvens negras se mostram nos horizontes, até onde a vista alcança.

É chegada a hora de nos levantarmos para exigir a reforma dos Códigos Penal e de Processo Penal. Endurecer até 30 anos de reclusão, sem direito a progressão e visitas íntimas, as penas dos crimes contra a administração pública, da morte de policiais, dos crimes de roubo seguido de morte (latrocínio) e de sequestros-relâmpagos para furtar pessoas, dos homicídios dolosos e de dolo eventual, mormente os de trânsito, pouco importando as condições infernais das penitenciárias. É a única solução, pois a Constituição proíbe a prisão perpétua, a pena de morte e limita o total das penas, em nome do “lírico canto” da ressocialização do detento, incluídos os políticos. Uma balela.

O que temos no país é um tremendo estímulo à criminalidade, a começar pelas altas autoridades da República, todos cientes de que o crime mais do que compensa!

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