O impedimento

Agora se entende por que Dilma imiscuiu-se nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, vitais para a sua permanência no poder

No regime parlamentarista, praticado na Europa e em vários países da Ásia, como o Japão, as crises políticas e a destituição de governos ineptos ou corruptos dá-se com presteza. Nos regimes presidencialistas, a rigidez dos mandatos a prazo certo obriga os povos a suportá-los. As eleições também diferem. No parlamentarismo, os governos caem e são formados rapidamente, seja porque o gabinete foi dissolvido (o primeiro-ministro e seu ministério), seja em razão da dissolução do Parlamento. Nesse caso, eleições são imediatamente convocadas, exigindo partidos definidos e correntes de opinião em sintonia com o momento político da nação. Assim, o povo é continuamente convocado para arbitrar o confronto político e definir os rumos do governo. No presidencialismo, as eleições são caríssimas, espaçadas, demoradas, permitindo a manipulação dos eleitores com propagandas insinceras e falaciosas, à falta de partidos e ideias nitidamente diferenciados.

O presidencialismo vingou apenas nos EUA e, por imitação, na América Latina, região em que as oligarquias, salvo exceções, transformaram os presidentes em caudilhos ou demagogos autoritários, com alto grau de irresponsabilidade política, como estamos a ver em Venezuela, Argentina e Brasil.

Nos EUA, foram ideados o “recall”, para destituir membros do Legislativo e juízes eleitos, e o “impeachment”, para chefes do Executivo. No caso Nixon, houve a ameaça de um processo dessa ordem, mas a renúncia frustrou-o. O “recall” tem sido usado com parcimônia. Nos EUA, o assassinato político de presidentes e aspirantes tem se mostrado mais eficaz (cinco casos).

No Brasil, em quadra especialíssima de nossa história, tivemos um impedimento presidencial, em razão da base política minúscula de Collor no Congresso Nacional. É um processo demorado e complexo. Inicia-se com a autorização de 2/3 dos deputados federais para processar o mandatário. A presidente Dilma, por mais inepta que seja e na hipótese de aparecer envolvida com a corrupção dos governos do PT, mesmo assim, dificilmente teria tamanha aversão no Congresso Nacional, a menos que o PMDB, a um passo do poder na segunda metade do mandato, quando o vice-presidente assume o governo, resolvesse impedi-la, levando de roldão a base governista e a oposição, menos o PT. Outra hipótese seria o PT de Lula articular-se com o PMDB para impedir a presidente, já na primeira etapa do mandato, quando novas eleições seriam convocadas (Lula seria o candidato), o que nos parece impensável.

Estou a escrever sobre o tema, pois o impeachment está na boca do povo e nas redes sociais. Dilma Rousseff levou o país ao desastre econômico e financeiro. O escândalo da Petrobras está levando a sociedade à exasperação política.

impeachment-dilma

Os crimes de improbidade de membros do governo e estatais implicam crime de responsabilidade da presidente, por ação ou omissão / Márcio Cabral de Moura

A Presidência da República está longe da irresponsabilidade monárquica (“the king do not wrong”). No presidencialismo, o mandatário supremo é responsável perante os cidadãos-eleitores. Reza a Constituição da República: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal (…) I – processar e julgar, originariamente: b) nas infrações penais comuns, o presidente da República (…)”. À sua vez, compete à Câmara dos Deputados, no Art. 51 da Carta, inciso I: “autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado”. Finalmente, ao Senado Federal é incumbido, pela nossa Constituição, no Art. 52, I: “processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (…)”.

Agora se compreende a razão de a Dilma imiscuir-se nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado, vitais para a sua permanência no poder, de resto, um dos motivos para o impedimento presidencial. É a pressão das ruas diante de governos insuportáveis, por inépcia, por corrupção ou as duas coisas juntas, que induz do impeachment. Segundo pesquisas, 44% do povo brasileiro acha o governo federal ruim ou péssimo. Se chegar à marca de 55%, será atingido o ponto de ebulição.

Por último, cabe explicar o que é “crime de responsabilidade” de acordo com a Constituição. “Art. 85 – São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União, o livre exercício dos poderes Legislativo, judiciário e Ministério Público. (…) V– A probidade na administração.

Em recente parecer, o professor Ives Gandra diz que os crimes de improbidade de membros do governo e estatais implicam crime de responsabilidade da presidente, por ação ou omissão, quando o crime indicar a existência de uma organização criminosa com um objetivo (no caso, financiar partidos) além da tese do domínio dos fatos.

Faça seu comentário