O Brasil dividido

Não devemos culpar os nordestinos ou os beneficiários de programas sociais pela derrota de Aécio, mas a 14,4% dos mineiros que traíram Minas

Brasil saiu dividido das eleições. Primeiro, geograficamente. Desde os flancos de Minas (DF, Goiás, Espírito Santo) e de São Paulo para o Sul inteiro, Aécio ganhou as eleições. São Paulo, que já fez guerra a Vargas para evitar uma ditadura em 1932, deu-lhe 7 milhões de votos de vantagem, mostrando repúdio ao petismo. Minas, o fiel da balança, ficou, com o Rio, do lado do PT até em cidades como Uberaba e Uberlândia, desequilibrando as eleições, a negar ao seu ex-governador os milhões de votos esperados e a curul presidencial.

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Aécio ganhou em Roraima, Acre e Rondônia (no Norte), em todo Centro-Oeste (DF, Goiás, Mato do Grosso do Sul e do Norte). No Sudeste saiu vitorioso no Espírito Santo e em São Paulo e nos três estados do Sul (Paraná, S. Catarina e Rio Grande do Sul). Por regiões, temos: Norte: Dilma 56,54% e Aécio 43,46%; Nordeste: Dilma 71,68% e Aécio 28,32%; Centro-Oeste: Aécio 57,42% e Dilma 42,58%; Sudeste: Aécio 56,17% e Dilma 43,83%; Sul: Aécio 58,89% e Dilma 41,11%. No exterior: Aécio 77,02% e Dilma 22,98%. Esses resultados mostram outra divisão: a econômica. As regiões mais ricas e produtivas do país votaram com o PSDB. As regiões mistas como Minas e Rio e as menos desenvolvidas (Norte e Nordeste) ficaram com o PT.

Uma terceira divisão operou-se entre as classes A, B e C, a favor do PSDB, e as classes mais pobres (D, E e F) que votaram no PT. Os 28,32% de votos de Aécio no Nordeste vieram das classes A e B monoliticamente (28,32% versus 71,68%). Praticamente a “elite branca” inteira daquela região, a mais visada.

Após a vitória, ciente de que o novo Congresso com 28 partidos, além de fragmentado, é maciçamente conservador, Dilma disse que uma primeira reforma será a política e quer convocar um plebiscito. Dilma tem dois caminhos com esses instrumentos de democracia direta: aprofundar o socialismo e arriscar-se a uma “guerra civil” – até porque o “petrolão” promete ser mais tenebroso que o “mensalão” – ou administrar segundo as regras da livre iniciativa e da democracia, mostrando capacidade de gestão. Nada me autoriza dizer que ela optará pelo segundo, mas penso que o fará.

A oposição legitimada nas urnas não aceitará ações que nos levem à situação ruinosa da Argentina e da Venezuela. Que os delatores premiados sejam rigorosamente protegidos. A sociedade brasileira na oposição exige, a bem das instituições, a imediata apuração das responsabilidades e o julgamento dos agentes políticos envolvidos por ação ou omissão.

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Que cessem os ataques aos nordestinos. Fomos nós que derrotamos Aécio. O jornalista Luiz Nassif recebeu de um mineiro um desabafo que merece a nossa reflexão: “Sou mineiro, mas hoje sinto vergonha de Minas Gerais e muito orgulho de Mato Grosso!” Não adianta. O fato da eleição é este. Os mineiros apontaram uma esperança para, em seguida, derrotar o nosso sonho. Não a totalidade dos mineiros, mas uma parte dos nossos irmãos, outrora inconfidentes, cometeu um terrível erro histórico que custará muito caro ao resto do país. Os números não mentem, só mostram verdades inconvenientes: se Aécio Neves tivesse feito 62,76% em Minas Gerais, estaria eleito presidente do Brasil. Teria feito 1.731 mil votos a mais e, evidentemente, tirado 1.731 mil votos de Dilma Rousseff. Ela terminaria a eleição totalizando 52.770 mil votos. Ele somaria 52.772 mil votos, sendo eleito presidente da República. Mesmo assim, ainda teria dado menos votos ao mineiro Aécio Neves do que São Paulo, onde 64,31% dos paulistas sufragaram o tucano, dando um exemplo de maturidade política e de desapego a regionalismos.

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Não foram todos os mineiros que derrotaram Aécio, porque ele recebeu 48,36% dos votos no estado. Como precisaria de 62,76%, apenas 14,40% foram os responsáveis pela derrota do seu maior político. E, certamente, esses 14,40% não vivem de Bolsa Família, não moram no Vale do Jequitinhonha, não são pobres coitados que teriam motivos, por uma campanha suja e nojenta feita pelo PT, para não votar em Aécio com medo de perder seus benefícios. Com toda certeza, também não fazem parte do tradicional voto partidário petista. Mais certo é que façam parte da tradicional família mineira.

Portanto, nós, brasileiros, não devemos culpar os nordestinos ou os beneficiários de programas sociais pela derrota de Aécio Neves. Pelo menos antes de condenar essa pequena parte de mineiros que não são petistas, que não são bolsistas, mas que devem carregar em si alguma herança genética de Joaquim Silvério dos Reis ou mesmo do carrasco que enforcou Tiradentes. A profunda tristeza que estava marcada no rosto de Aécio Neves não foi motivada por brasileiros. Estes só lhe deram alegrias. Foram esses mineiros, esses poucos mineiros que apequenaram a história de Minas e sangraram o seu coração. Carlos Drummond de Andrade, o mais mineiro de todos, escreveria ontem para Aécio: “Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram”. Aécio sonhou, mas Minas não se cumpriu. Dói. Dói demais da conta.

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