Causas da morosidade

STF

Nos últimos dias de 2013, a partir de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que realiza o controle externo da magistratura, a mídia forneceu-nos, com estardalhaço, a notícia de que os tribunais do país – em nenhum momento mencionou-se o Supremo Tribunal Federal (STF) – trabalham pouco e ganham muito, revelando pagas extraordinárias a alguns de seus membros. Não nego nem o nepotismo cruzado – que o direto é vedado – nem o corporativismo comum a quase todas as instituições brasileiras: polícia, Ministério Público, os legislativos, partidos, “et caterva”. O Judiciário não poderia ser diferente. A doença é cultural, antiga, endêmica.

Ocorre que boa parte de nossa mídia é superficial, sobre ser denuncista “par excelence”, como diria Nietzsche, sem aprofundar-se no exame sério de nossas mazelas, com o fito de saná-las. A imprensa livre é o quarto poder do Estado democrático de direito pelo fato de dar voz e escrita ao povo; voz crítica, decerto, mas voz analítica também, a apontar soluções, justo o que a maioria das reportagens do ano findo não fizeram. As rádios se negam a formar uma consciência nacional crítica, o povo vê TV para se divertir e não lê jornais.

O que o povo menos quer é a comprovação da ineficiência generalizada do Estado nacional, pois sofre com ela todo santo dia, seja na rua, no pronto-socorro ou no hospital, na escola, no transporte, em todos os lugares, aí incluídos as varas e os tribunais do país. Está quase morto o nosso sofrido e resignado povo, de tanta injustiça, falta de segurança, incompetência burocrática, saúde precária, escolas deficientes, mobilidade demorada, desconfortável, custosa e tudo o mais.

O povo, o cidadão, o contribuinte – que os fiscos neste país são de uma eficiência ímpar para cobrar tributos e aborrecer, sem comparação no mundo – quer mudança, aspiram viver num país normal. Pode ser até num país de renda média, pouco importa, contanto que seja eficiente, normal.

Para ser eficiente, há que fazer diagnósticos, o que menos se faz entre nós, com raras exceções, pois nossos dirigentes são imediatistas. No caso do Judiciário, são correntes alguns lugares-comuns: a) Os juízes trabalham pouco. A generalização é perversa. Em verdade, trabalham muito, com afinco e até desespero ante a montanha cada vez maior de processos a atormentá-los. Em tempo, há sim uma minoria de indolentes em todas as instâncias, exceto no STF. Os de lá “se matam” de tanto trabalhar; b) Os juízes ganham muito. É uma inverdade, ganham pouco, se considerarmos a proibição de atividades outras, exceto de um cargo de professor (são vidas inteiras ganhando, praticamente, a mesma coisa por mês) cerca de R$ 19 mil líquidos em média. Em relação aos detentores de mandato Legislativo, dá apenas para construir uma família de classe média, com dificuldades. É sabido que existem “jeitinhos” aqui e acolá no âmbito dos tribunais de Justiça dos estados, mormente em São Paulo, matéria, de resto, sob intensos ataques do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); c) Os códigos de processo civil e penal propiciam muitos recursos. Nossos códigos são muito bons – podem e estão sendo melhorados – e fazem coro com os demais da Europa (direito romano-germânico). O que nesse campo se pode fazer é adotar algumas práticas rápidas, expeditas, sumárias, para certos feitos.

Mas onde reside então a morosidade que nos martiriza tanto? Sem querer ir aos detalhes – incabíveis no espaço desta coluna dedicada aos meus leitores – devo apontar duas causas que a maioria dos leitores desconhece. Aqui, mais uma vez, o vilão é o Estado brasileiro (União, estados, municípios, fundações públicas, autarquias, entre elas o INSS). Ele é responsável por 56% dos processos, como autor, réu e opoente e responde por cerca de 80% dos recursos que empanturram os tribunais estaduais, regionais, federais e superiores (TRT, STJ, STF). Se eles não existissem, a vida judiciária seria mais amena. Agravam o problema dois defeitos congênitos. A uma, gozam de superprivilégios materiais e processuais, o que não é republicano. A duas, recorrem, com ou sem razão, sempre! Assim não tem jeito mesmo. A reforma política não pode reduzir-se às regras eleitorais e ao financiamento das campanhas. O Poder Judiciário merece reflexões. Precisamos viver um pluripartidarismo real, proibidas as coligações, que são próprias do parlamentarismo. O presidencialismo de coalizão é a maior desgraça política da nação, fonte perene de corrupção. A reforma política, dizíamos, vai além, implica novo pacto federativo e redução do Estado para que possa prestar bons serviços públicos, saindo totalmente da economia. A tripartição dos poderes deve ser repensada e modernizada. As instituições estão arcaicas e disfuncionais.

O Poder Judiciário, portanto, merece ser repensado. Essas queixas sobre sua “morosidade” são mantras inúteis. A reforma do Estado é a mãe de todas as reformas.

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