Alinhamentos internacionais

Há uma sistemática campanha contra a Rússia “expansionista”, como se o maior país do mundo precisasse de territórios ou riquezas naturais, tidas em abundância.

Algo mudou depois da desastrada tentativa do Pentágono de tornar a Ucrânia membro da Otan. No começo de maio, a chanceler alemã Merkel esteve em Moscou com o presidente russo. No meio do mês, o secretário de Estado norte-americano reuniu-se em Moscou com Putin. É um novo alinhamento de forças para o combate à jihad islâmica sunita e do terrorismo internacional dela derivado, agora que os EUA são produtores-exportadores de hidrocarbonetos (xisto) e deslocaram seu interesse geopolítico para o Pacífico asiático em razão da ascensão vertiginosa da China. O cerco ao país asiático é intenso no sul do mar da China.

É o reconhecimento da importância geopolítica da Rússia na região em que a Europa se junta à Ásia. Desde a queda de Constantinopla, em 1453 d.C., que os russos, cuja pátria iniciou-se justamente em Kiev (hoje capital da Ucrânia), se opuseram ao império otomano sediado em Istambul, na atual Turquia. Século após século, desde a Crimeia, no mesmo Mar Negro, a cristandade ortodoxa russa bateu-se com os turcos, impedindo-os de dominar a Europa Central (os turcos otomanos sitiaram Viena em duas ocasiões). A Rússia não tem tradição imperialista no Oriente Médio, e no século 20 apoiou os movimentos socialistas na região (os partidos Baath). A Rússia é uma mescla de nórdicos, principalmente suecos, com boiardos, povo ariano e tártaros de língua turk. Sempre fez parte da civilização ocidental, na dança, música, política, literatura, pintura, poesia, ciência, cultura e religião (cristã-ortodoxa). Talvez o símbolo nacional da águia branca de duas cabeças, olhando uma para Ocidente e outra para o Oriente, a defina, por ser eurasiana essencialmente.

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A integração da Rússia à Europa, daria ao bloco europeu maior ritmo de expansão. Essa visão de uma Eurásia pacífica e contínua está nos planos da “realpolitik” da senhora Merkel. / Foto por Dmitry Dzhus

A Rússia é a maior fornecedora de petróleo e gás da Europa Central e Ocidental, através de dutos, desobrigando o continente de buscar energia noutros lugares a custos maiores. A Rússia fornece também energia à China e possui bases em ilhas ao norte do Japão. É uma potência científica e militar (possuem ogivas nucleares, foguetes intercontinentais, tecnologia espacial). Tudo isso foi conseguido sem auxílio de quem quer que seja durante o regime comunista. Logo, é balela vê-la dependente da tecnologia ocidental, embora possa, realmente, beneficiar-se da evolução técnica em negócios e gestão. Não faz sentido dizê-la imperialista a querer remontar a antiga URSS. É apenas retórica para estabelecer bases americanas na Europa cercando a Eurásia.

A integração da Rússia à Europa, com 178 milhões de habitantes, considerando-se a Bielo-Rússia e o Cazaquistão (aliado firme), daria ao bloco europeu maior ritmo de expansão. Essa visão de uma Eurásia pacífica e contínua está nos planos da “realpolitik” da senhora Merkel (a Alemanha é a maior investidora da Europa na Rússia). As sanções econômicas cairão. Mas antes haverá muito jogo de cena. Talvez, por isso, nem se fale mais na estratégica península da Crimeia reunida à Rússia, em ato de autodefesa.

Do ponto de vista americano, dois objetivos se põem. Um, atrasar a integração Rússia-China em andamento. Outro, interessar os russos no combate ao “califado sunita”, que quer se instalar em partes da Síria e do Iraque, justamente nos territórios onde habitam populações sunitas, iraquianas e sírias, que preferem o califado ao poder xiita de Bagdá (essa, a verdade nua e crua). Matam os xiitas, acusados de apóstatas, e perseguem as minorias cristãs, yazidis e baha’i, além de fazer atentados na Rússia, coisas que os governos do Irã e da Síria jamais fizeram. A política americana na região somente, acirrou diferenças, gastos enormes e conflitos complexos. Decididamente é um fracasso em matéria de política internacional. Não tem mais nada a fazer ali. O Irã e a Rússia, sim!

Quem está brigando no chão contra o califado são os curdos, as milícias xiitas e – quem diria? – o Irã, que é xiita, com o decidido apoio da Rússia. Os hipócritas da Península Arábica e os turcos, ao tempo em que odeiam curdos, judeus e o Irã, ao califado nada fizeram, pelo contrário. O califado sunita é aspiração sunita. Os russos têm mais experiência para cuidar desses assuntos. Os jovens americanos fatigaram-se de lutar na Coreia, no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque sem saber o porquê. Os russos e xiitas hoje são escudos contra o terrorismo da jihad sunita. Auspicioso, por isso, o desfecho das negociações com o Irã, povo multimilenar! Os aiatolás passarão, a Pérsia ficará.

Em hipótese alguma o mundo aceitará novas explosões atômicas como as de Hiroshima e Nagasaki, nem genocídios, como os dos armênios pelos turcos e dos judeus pelos alemães. As divisões ideológicas acabaram, o capitalismo predomina, mas as divisões religiosas persistem. Queremos vê-las enterradas em túmulos de chumbo. Ao Brasil interessa uma humanidade tolerante e pacífica.

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