Adeptos da paz

“Israel, o país mais poderoso da região, poderia recuperar os ideais e o espírito de solidariedade e generosidade de seus primeiros anos”.

Foto: Amir Farshad Ebrahimi

Foto: Amir Farshad Ebrahimi

Slavoj Žižek comenta: (Blog da Ed. Boitempo) “O grande mistério do conflito israelo-palestino é ter persistido por tanto tempo quando todo mundo sabe que a única solução viável é a retirada dos israelitas da Cisjordânia e de Gaza e a instauração de um Estado palestino, bem como um compromisso a propósito de Jerusalém. Sempre que um acordo pareceu exequível, acabou desaparecendo inexplicavelmente. O conflito do Oriente Médio assumiu a feição de um sintoma neurótico: todo mundo vê a maneira de vencer o obstáculo, e ninguém quer removê-lo, como se houvesse algum benefício libidinal na persistência do beco. Israel – representando oficialmente a modernidade liberal ocidental na região – é legitimado ao invocar a sua identidade étnico-religiosa, enquanto os palestinos – acusados de fundamentalistas – legitimam as suas reivindicações em termos de cidadania secular. A ocupação israelita dos territórios palestinos os impeliu a perceberem-se como uma nação em busca do seu próprio Estado (e não mais como uma simples parte da massa árabe)”.

Vários estados árabes guerrearam contra Israel, menos a Palestina, que jamais teve Estado. Os demais estados continuam a existir, mas as guerras geraram 980 mil refugiados palestinos, a ocupação da Cisjordania, a tomada de Jerusalém, os assentamentos judaicos e a penitenciária de JAZA, a céu aberto.

Roger Cohen, articulista do New York Times retoma as ideias de Zizek: “A questão para os judeus da Europa foi sempre a mesma: pertencimento. Sejam eles franceses ou alemães, temiam que as sociedades cristãs que os tinham aceito pela metade pudessem se voltar contra eles. Entendo a raiva de um israelense, Naomi Ragen: ‘Eu vejo a Europa, que perseguiu nossos avós, bisavós e parentes — homens, mulheres e crianças — e os enviou para as câmaras de gás sem questionamentos. E eu penso: eles são agora os árbitros morais do mundo livre?. Eles estão dizendo para os descendentes das pessoas que mataram como devem se comportar quando outros antissemitas querem matá-los?’ Esses antissemitas seriam o Hamas, fazendo chover terror sobre Israel, em busca de sua aniquilação. Se há mais de mil mortes de palestinos (incluindo 200 crianças), e mais de 50 mortes israelenses, Israel argumenta que a culpa é do Hamas. Sou sionista, porque a história dos meus antepassados me convence de que os judeus precisavam da pátria que as Nações Unidas votaram para existir na Resolução 181, de 1947, pedindo o estabelecimento de dois estados — um judeu, um árabe — na Palestina. (…) O que não posso aceitar, no entanto, é a perversão do sionismo, que tem visto o crescimento inexorável de um nacionalismo israelense messiânico reivindicando toda a terra entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão; que, durante quase meio século, produziu a opressão sistemática de outro povo na Cisjordânia; que levou à expansão constante dos assentamentos israelenses; que isola os palestinos moderados em nome de dividir para reinar; (…) que bloqueia Gaza com 1,8 milhão de pessoas trancadas em sua prisão e depois é surpreendido pelas erupções periódicas dos detentos; e que responde de forma desproporcional ao atacar de uma forma que mata centenas de crianças. Isso, como um sionista, não posso aceitar. Judeus, acima de todas as pessoas, sabem o que é opressão. Nenhum argumento pode justificar o fracasso judaico que a morte de tantas crianças representa. O Hamas é maligno. Ficaria feliz em vê-lo destruído. Mas o Hamas é também o produto de uma situação que Israel reforçou em vez de procurar resolver. Esse exercício israelense corrosivo de controle sobre outro povo, criando o desprezo dos poderosos pelos oprimidos, é uma traição ao sionismo em que ainda acredito”.

Oded Grajew aduz: “Nasci em Tel Aviv em 1944, de mãe e pai judeus, cuja família foi praticamente exterminada pelos nazistas. Vivo há anos no Brasil, país que deveria ser valorizado pelo exemplo de convivência harmoniosa, não só entre árabes e judeus, mas entre comunidades de diversas origens religiosas e nacionais. Israel é de longe o país mais forte militar e economicamente da região e tem como aliado incondicional os EUA, a maior potência mundial. A contrapartida do poder é a responsabilidade. (…) Não quero entrar na discussão interminável e inútil de quem tem mais razão. A que tem servido a lógica do olho por olho, reagir à violência com mais violência? Apenas para alimentar o ódio, gerar matanças e inviabilizar a paz? Israel, o país mais poderoso da região, poderia recuperar os ideais e o espírito de solidariedade e generosidade de seus primeiros anos. Assim teria a grandeza de quebrar o inútil ciclo da violência e não usar toda a sua força e seu poder para matar e destruir, mas para se empenhar tenazmente, para perseguir até obter a paz na região”. São palavras dignas, ditas por judeus que admiro, adeptos da paz!

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