Abutres da Santa Casa

Os pobres são atendidos, mesmo quando essas instituições são espoliadas pelo SUS. O que recebem em troca? Tributação e multas.

A Santa Casa de Misericórdia é uma irmandade com a missão de cuidar de enfermos e inválidos, desde o histórico Compromisso de Lisboa alimentar os famintos, assistir os enfermos, consolar os tristes, educar os enjeitados e sepultar os mortos, daí os “expostos” – recém-nascidos abandonados numa roda para que não se conhecessem os pais. Atualmente, a instituição está no Largo Trindade Coelho, denominado Largo da Misericórdia.

No Brasil instalou-se em Olinda (1539), Santos (1543), Vitória (1545), Salvador (1549), São Paulo (1560). No Rio, instalou-a padre José Anchieta para socorrer os da esquadra do Almirante Diogo Valdez, aportada em 25/03/1582 com escorbuto a bordo.

Em Belo Horizonte, a Santa Casa (SC) é o maior complexo hospitalar do estado. Em 2011 a Santa Casa fez: 3 mil internações hospitalares por mês; 1.085 leitos – SUS; 2 mil cirurgias mensais; 50 mil atendimentos ambulatoriais; atividades de transplante de pâncreas/rim, medula e fígado; 40 novos leitos de CTI adulto e 10 leitos de CTI infantil, atingindo 180 leitos de CTI para o SUS; Certificação de Qualidade ISO e ONA, planejadas para 18 meses; atendimentos a pacientes com infarto (apenas 45 minutos depois de admitidos na SC são submetidos a cateterismo cardíaco e angioplastia primária); unidade de terapia intensiva de neurocirurgia, semelhantes aos melhores serviços internacionais.

Frise-se que tramita no Judiciário Federal uma cobrança de crédito, relativa à defasagem no percentual de 9,56% ao mês, imposta à Tabela do SUS, quando da implantação do real (R$ 100 milhões). O endividamento da instituição está equacionado. Bancos e fornecedores estão tendo seus créditos quitados como combinado. Foi aprovada pela 3ª Região do TRT a criação de um Juízo Auxiliar de Execuções da Santa Casa, o que permitiu quitar processos judiciais e diminuir os bloqueios de contas pelo sistema BacenJud, a sequestrar valores depositados pelo SUS, planos de saúde e outros usuários, o que contribuía para desorganizar ainda mais as finanças da instituição.

Estabeleceram-se acordos coletivos que, além de garantir o cumprimento rigoroso dos direitos trabalhistas, proporcionam um nível salarial igual aos melhores do mercado. A dívida fiscal vem de 1986. A instituição fez os parcelamentos criados pelo governo federal, porém não conseguiu, à exceção do parcelamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cumprir com o pagamento e foi excluída. A negociação sobre o FGTS foi efetivada com a Caixa Econômica Federal, somando R$ 52 milhões. Desde então, o recolhimento do FGTS é cumprido regularmente. Ressalte-se que os encargos relativos a juros, correções e honorários elevam a dívida artificialmente, em alguns casos, onerando-a em até 138%. É o caso de uma cobrança que, a título de exemplo, no período de 2000 a 2012, teve seu valor de face alterado de R$ 5,66 milhões para R$ 14,7 milhões.

Fora os encargos trabalhistas, não vejo razão para cobrarem tributos das Santas Casas, especialmente da nossa. Reza a Constituição: “Artigo 150 – É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (omissis); VI – instituir impostos sobre: (omissis); c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Tais requisitos são: não distribuir lucros aos mantenedores e administradores, nem remetê-los ao exterior, reaplicá-los no munus educacional e assistencial. É que são os particulares cooperando com o Estado.

Por “tecnicismo” tem-se considerado que a assistência social é aquela pia, filantrópica, como dar sopinhas e fornecer agasalhos, além de a Constituição de 1988 ter dito que a seguridade é um tripé: saúde, previdência e assistência social. Conclusão apressada: saúde é uma coisa, assistência social é outra. Logo, as Santas Casas, sem imunidade, são entidades da saúde e não da “assistência social”, devem pagar tributos, como os hospitais particulares do país.

Os pobres são atendidos, mesmo nas Santas Casas espoliadas pelo SUS. O que recebem em troca? Tributação e multas. Os sindicatos e “centrais sindicais” recebem boladas do governo sem prestar contas; ONGs assistenciais desviam verbas federais mas as Santas Casas devem pagar tributos. Se não fossem os seus diretores abnegados, e se dependesse de mim, entregaria as Santas Casas para que a União e os estados as administrassem. Minhas homenagens ao provedor Saulo Coelho, ao corpo médico e à administração da Santa Casa, por conhecer o trabalho que desempenham. Quanto aos governos tenho vergonha do meu país, por tamanha insensibilidade e pela volúpia de arrecadar. “Salus populi, suprema lex.”

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