Absurdos tributários

Nem todas as empresas utilizam o insumo energia com direito ao imposto pago.

É melhor demonstrar do que falar. Tenho em mãos duas contas, uma de energia (da Light, Rio de Janeiro), outra telefônica (de Belo Horizonte). Primeiro compreenda-se que o contribuinte de direito são as concessionárias de energia e telecomunicações, obrigadas por lei a pagar o PIS/Cofins à União e o ICMS aos estados, ficando como contribuintes de fato os consumidores, pessoas físicas e jurídicas, que utilizam esses serviços. Em outras palavras, as concessionárias pagam, mas repassam para nós o peso da tributação. A conta de energia me informa o seguinte: pagar R$ 241,13 – o valor da nota fiscal é de R$ 225,80, sendo o preço da energia R$ 66,57, o da transmissão dela, R$ 10,27, e o da distribuição, R$ 49,87. Além disso, há os “encargos setoriais”: R$ 20,44 e os tributos, R$ 78,85. A conta informa que o ICMS é de R$ 66,57 e o PIS/Cofins, R$ 13,53, e que o ICMS decorre de uma alíquota de 29% incidente sobre o valor da nota fiscal, que, como vimos, compreende a produção da energia mais sua transmissão mais encargos mais tributos devidos (a base de cálculo então é R$ 225,80, conforme demonstração expressa). O valor total a pagar é de R$ 241,13. Pensei que eram R$ 225,80 + R$ 13,42 (PIS/Cofins), mas não! A soma dá R$ 239,33. Onde está a diferença? O ICMS incide sobre ele mesmo? Também sobre o PIS/Cofins? Fiz cálculos e nenhum deu certo. Recuso-me a crer que as concessionárias sejam desonestas sob a fiscalização implacável da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Tudo indica que a tributação é um mistério. Fico atônito diante da misteriosa “conta de luz” (e que tais encargos setoriais são esses?). Os dislates ficam nesses valores escondidos e inexplicados. Os estabelecimentos econômicos, com diversidades metodológicas, pagam energia com as mesmas obscuridades (para nós é utilidade consumida e, para eles, fator de produção). Cabe uma explicação. Nem todas as empresas utilizam o insumo energia com direito ao imposto pago. Para essa despesa, não é dedutível do ICMS a pagar, verdadeiro absurdo. O imposto é não cumulativo. Para as empresas de telecomunicações, é recentíssimo o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) conferindo-lhes o direito de aproveitar o crédito do ICMS da energia que pagam e deduzi-lo do ICMS a pagar. Modéstia a parte, participamos dessa vitória. Inacreditável ir à Justiça para fazer valer o direito elementar do creditamento. Mas pode um imposto ter na sua base de cálculo outro imposto? No Brasil, pode. O assunto está no STJ e no Superior Tribunal Federal (STF). Onde já se viu imposto sobre imposto? São coisas do Brasil.

Agora a conta telefônica: ligações locais R$ 518,23 e de prestadores no exterior R$ 349,62; outros valores R$ 6,29, num total de R$ 874. A telefonia é serviço de primeira necessidade para as pessoas físicas e jurídicas. Mas onde estão os impostos que deveriam ser seletivos? Informa a conta que o ICMS (já embutido nos preços dos serviços) inclusive os prestados no exterior (que a Receita considera “importação de serviços”), alcança R$ 216,95. Diz mais que a alíquota é de 25%. Aqui, igualmente, minhas contas não batem. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informa que no valor nas unidades de serviços prestados já estão os impostos, de modo que não sei, ao certo, o que cobram. Há “outros valores” de R$ 6,29 sem explicação. Esse “embutimento” de impostos nas contas de luz e telefone é inquietante.

Presidente Dilma Rousseff, a Constituição, que a todos subordina, governantes e governados, reza no artigo 150, parágrafo 5º: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. É uma limitação ao poder de tributar, a exigir lei complementar. É imperioso que essa lei seja feita, hoje inexistente por “omissão” do Legislativo e do Executivo. Senhora presidente, tome-se nela três providências: todo imposto deve incidir “por fora” (quem se esconde é ladrão); a base de cálculo de quaisquer impostos é a materialidade descrita na Carta Magna, vedada a incidência de uns sobre os outros, como ninho de cobras; trimestralmente, devem ser publicadas listas explicando à população o valor tributário agregado aos serviços e mercadorias. Essa seria uma extraordinária reforma tributária, com efeitos práticos imediatos. Contudo, será necessária uma pequenina proposta de emenda à Constituição (PEC) para desfazer o acinte que outra emenda à Carta nos impingiu, a manchá-la. O borrão obriga o legislador da lei do ICMS a “fixar a base de cálculo de modo que o montante do imposto a integre”, inclusive na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço. Um ladrão furtivo escreveu isso na Constituição.

Senhora presidente, senhores parlamentares, vem aí o PCV, o “Partido dos Consumidores Vigilantes”. Em nosso manifesto diremos que vigiaremos o poder por melhores serviços e menos tributos. Chega de politicagem, queremos resultados. Para onde vão R$ 1,5 trilhão que pagaremos em 2012?

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