A União agiota

O Tesouro Nacional age como banqueiro. É preciso que o povo exija uma solução justa para a dívida dos estados

Indago aos leitores o que me responderiam sobre o caso que passo a expor: alguém devia em 1998 R$ 14,88 bilhões. Ao longo de 14 anos pagou, até dezembro de 2012, R$ 28 bilhões, o dobro, praticamente, da dívida consolidada inicial. O problema é que a correção da dívida original, já computados os pagamentos, ronda R$ 63,4 bilhões e segue subindo. Agora a pergunta: esse devedor está na mão de algum agiota? Sabem quem é o devedor? O Estado de Minas Gerais, tendo por credor a União (o Tesouro Nacional). Noutras palavras, vivemos num estado que vai falir algum dia, deixando-nos na rua da amargura.

Tesouro NacionalA primeira questão aponta o fato de serem pessoas políticas de direito público os envolvidos, sem intuitos lucrativos, que existem para atender aos cidadãos que vivem nos estados e municípios da nação. A União é, tão somente, a comunhão dos estados-membros da Federação. A lógica da dívida pública dos estados – e me interessa a de Minas, onde vivemos com nossas famílias – não pode ser a do banqueiro, a viver dos juros que devemos e depósitos que fazemos em seus caixas.

Dir-se-á que pagamos à União tributos federais (IPI, IR das pessoas físicas e jurídicas, ganhos de capital, PIS, Cofins, contribuições sociais, et caterva). É verdade, são depósitos diretos no caixa da União, além das parcelas que o governo estadual paga. O BNDES e a Caixa Econômica Federal financiam algumas empresas. Isso é entre eles. A União faz obras e gasta, por exemplo, com as universidades e escolas técnicas. Não é menos verdadeiro. Mas isso é obrigação constitucional e nada tem a ver com o problema ora em exame, a dívida pública do estado para com a União. Por serem pessoas jurídicas de direito público, penso que essa questão deve encaminhar-se para um desfecho que não seja exclusivamente financeiro e sim político, no sentido mais elevado que a expressão encerra, visando ao bem comum do país e das pessoas que nele vivem.

Outra questão a ser considerada é um conhecido erro de cálculo acrescentador na dívida do Estado de indevidos bilhões de reais bem no começo da consolidação. O exame da questão não pode ficar ao alvedrio do Tesouro Nacional. Exige processo isento, arbitragem por peritos não interessados no desfecho da auditoria. São muitas as consequências e não interessa às partes ficarem a discutir o ponto, sem solução.

A terceira questão diz de perto com o Projeto de Lei Complementar nº 238/2013, que adota novo indexador para as dívidas dos estados: IPCA mais 4% ao ano (taxa de banqueiro) ou taxa Selic, hoje em 7,5% ao ano e subindo. De acordo com a nova sistemática, Minas ficará devendo menos, mas a solução mesmo assim não nos interessa. Se nada for feito, entretanto, o estado em 2028, 14 anos depois, estará devendo o dobro de suas receitas correntes desconsiderados todos os pagamentos que já foram feitos a tempo e hora. Ora, se ganho 10 mil por mês e devo 20 mil, estou em estado pré-falimentar, justo o que não poderá ocorrer com Minas Gerais, a segunda maior população e o terceiro PIB do país, bem juntinho do Rio de Janeiro.

Quem em Minas tem noção da situação? Decerto 0,1% da sua população. Nosso governador é um homem tão capaz quanto discreto. Eu não. Se fosse ele, com o perdão da expressão, poria a boca no trombone e o circo nas ruas de Minas e do Brasil, até curvar o governo federal. Não foi ele nem Aécio Neves que contraíram a dívida. Ela vem de antes da Lei de Responsabilidade Fiscal de FHC, contra a qual Lula disse horrores. Sua cara metade política é nela que se baseia para endurecer o jogo. Cabe aos congressistas defender os seus cidadãos em cada estado e ao Senado Federal defender os estados diretamente (que são seus representados). O Senado é a “casa legislativa” dos estados-membros da Federação, diferentemente da Câmara dos Deputados, que representa os eleitores de todas as regiões do país.

O Tesouro Nacional age como banqueiro. Faltam estadistas no Brasil. É preciso que o povo, em cada estado da Federação, exija da União uma solução. O momento das eleições é ideal para esse nobre intento. Os tempos são outros, bem diversos dos desgovernos estaduais, antes do período saneador de Fernando Henrique Cardoso. A ocasião é oportuna. Três problemas federativos estão imbricados: a necessidade de terminar a guerra fiscal, pois o contribuinte de um estado não pode ser prejudicado por se creditar do ICMS, conforme indicado na nota fiscal vinda de outro estado, que ninguém é vidente; a renegociação das dívidas dos estados e, por fim, a divisão dos royalties do petróleo tirado do subsolo oceânico, por força do Tratado de Montego Bay, descabido dizer que existem estados produtores naquelas profundidades, produto da imaginação criadora dos três estados interessados. O senador Aécio Neves está com a faca e o queijo na mão.

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