A sociedade e as instituições

O Brasil precisa urgentemente inaugurar a sua quinta República, refundar partidos capazes de criar correntes de opinião

Em meio à nossa pior crise, acostumou-se o país a dizer – e vai nisso uma ingenuidade – que as instituições estão funcionando. Estão de fato funcionando, porém muito mal, na medida em que não resolvem a crise e se digladiam os poderes da República.

A sociedade e as instituições

Foto: Ana Volpe / Agência Senado

Na cúpula do poder central, os poderes políticos (Executivo e Legislativo) estão abaixo da crítica, e os tribunais superiores, que por sua natureza são passivos (só agem quando provocados, como em qualquer lugar do mundo civilizado), começam a gerar desconfianças pelo ativismo político. O perigo é serem “partidarizados”, pois seus membros são indiciados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, de acordo com o modelo de organização dos poderes dos Estados Unidos da América. Seria adequado rever esse ponto.

O Brasil ostenta três peculiaridades no continente sul-americano: (a) Fomos o único a ter um século monárquico num país agrário, avesso à industrialização (século 19): (b) A República se fez olhando o Tio Sam, embora o nosso direito descendesse do direito continental europeu, o chamado direito romano-germânico, diverso do cannon-law inglês e, de algum modo, do direito norte-americano, apegado ao inglês.

Mas o modelo republicano e federativo que adotamos não foi o europeu, sempre parlamentarista ou semiparlamentar (França e Portugal). Copiamos os EUA na organização política da nação, mas não praticamos o presidencialismo americano, muito pelo contrário, nem o nosso Congresso é como o americano. Nem o nosso Supremo tem o recato firme da Suprema Corte de lá, nem a federação confere aos estados-membros a autonomia que gozam na América.

Aqui, às vezes, o Judiciário se politiza e serve ao Poder Executivo, ao seu chefe, por livre e espontânea vontade, apesar de vitalícios e irredutíveis os vencimentos de seus ministros; (c) Por último, sem guerras e sem conquistas, em parte pelo gênio português, nos tornamos metade da América do Sul, com grande população, falante do mesmo idioma, ao passo que a América espanhola fragmentou-se desde o México em mais de dúzia e meia de nações, considerando-se a América Central e o Caribe, enquanto os EUA, em princípio 13 colônias pequenas e diversas, rentes ao Atlântico, expandiram-se a ferro e fogo, tomando terras dos índios, espanhóis, mexicanos e franceses (além de comprar territórios), transbordando para além do Canadá (Alasca) e da Costa Oeste (Havaí).

E, apesar dos pesares, se não tivemos os azares da América espanhola nem a sorte da América inglesa, sendo o último país do continente a libertar os escravos e a iniciar a industrialização, já no século 20, nos tornamos a 7ª economia do mundo entre mais de 190 nações independentes: EUA, China, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Brasil. Essa é a lista das sete primeiras economias. Falta-nos infraestrutura, educação, senso de organização e razão política, sobram miséria e desigualdade. Até certo ponto, o Brasil é um ambíguo sucesso, difícil de explicar.

Seremos em 2015/2016 o país do fracasso, com perda de 6% do PIB, o que não é pouco, outra coisa difícil de explicar. Dizer que a crise é arrastada e progressiva desde 2014, mas — que orgulho besta – estão funcionando as instituições é uma irrisão. Como funcionam bem se não resolvem a crise? O mínimo a dizer é que não funcionam, caso contrário já teríamos soluções. Há um descolamento entre a sociedade e as instituições. A uma, porque não funcionam. A duas, porque as pessoas encarregadas de fazê-las funcionar não prestam.

É trágica a situação em que nos encontramos. Mesmo não sendo parlamentarista o regime, a solução reside em desfazer os poderes Executivo e Legislativo, reformar o Estado e a federação, convocando uma constituinte exclusiva e novas eleições. O impedimento está nas mãos do Tribunal Superior Eleitoral e nas togas do Supremo Tribunal Federal, sem ferir a Constituição.

O Brasil precisa urgentemente inaugurar a sua Quinta República, refundar partidos capazes de criar correntes de opinião. O que temos são partidos divorciados das correntes de pensamento e incapazes de gerá-las, ao contrário do que ocorre no mundo mais desenvolvido, quer falemos de Europa ou de Ásia. A América do Norte é o que vemos todos os dias. O Partido Republicano, radical e belicoso, e o Partido Democrata, mais ameno. Os EUA são um mundo peculiar, ao mesmo tempo puritano e pervertido, universalista e avesso aos migrantes, contrariando seu passado. O presidencialismo que deles herdamos só deu relativamente certo lá, jamais no restante da América Latina (ou latrina?).

Deveríamos ter seguido a Europa parlamentarista. Mas a história é que determina os fatos. Somos essa geleia geral, para desconforto de todos nós, quando pensamos em nossos filhos e netos. Alea jacta est. Temos que atravessar, como Cesar fez, o nosso Rubicão. E que seja logo. Que a sorte nos sorria, e que possamos ver, antes de morrer, um país em crescimento econômico com justiça social.

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