A reforma que não houve

É um despautério aliar-se nos municípios ou nos estados a partidos contendores no plano federal. Afeta a coerência e a identidade.

Confesso que desde Luís Eduardo Magalhães não houve no Congresso Nacional líder semelhante ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sem meias palavras, ou conchavos de gabinete, é de um dinamismo fora do comum. Diz o que pensa e faz exatamente o que promete, preservando a independência da Casa Legislativa que preside, respeitando suas decisões. Embora tronchos analistas políticos vejam nisso “rebelião” contra o Executivo ou “ativismo congressual”. São cabeças cativas de uma era de mandonismo presidencialista, incapazes de analisar a política de modo republicano, às luzes da avelhantada teoria da tripartição dos poderes.

Não se fale mais neste país de reforma política a cargo do Poder Legislativo. Instado a manifestar-se, o Congresso Nacional decidiu não a fazer no essencial, mantendo o horroroso e disfuncional regime multipartidário (28 partidos, sem ideologia, ideário, coerência e dignidade) e o sistema proporcional de eleição, favorável aos micropartidos em desfavor das maiores agremiações (presidencialismo de coalizão).

Será sempre vergonhoso explicar a uma analista estrangeira a razão de um candidato ao Legislativo com 85 mil votos não se eleger pelo PT ou PMDB e outro com 22 mil votos eleger-se pelo PRTB. O coeficiente partidário é uma excrescência e causa dois males: 1) junta os votos de 80, 100, às vezes 120 candidatos menos votados de uma legenda (cauda) e os transfere, sem autorização dos votantes, para os mais votados da “coligação”, distorcendo a representação, a favorecer os “grandes eleitores”. As espúrias coligações em pleitos de concorrência partidária são uma contradição; 2) Os puxadores de votos podem ser um Ulisses Guimarães ou um Tiririca e transferem votos a quem não os teve distorcendo a vontade popular, mais uma vez.

Onde fica nisso tudo a tal “importância dos partidos”, que, de repente, os “politicólogos” acadêmicos passaram a exaltar para bombardear o “distritão”? Tem cabimento coligações em eleições concorrenciais entre partidos? Coligações se formam nos parlamentos eleitos, não para formá-lo. Como ficou, favorecem as alianças locais e sublocais nos municípios onde começa a eleição dos “representantes do povo”. Justamente por isso o sistema proporcional foi mantido. Na esfera federal, pouco importando as “alianças” municipais e estaduais, o Congresso tende a girar, como mariposa, em torno das luzes e poderes do presidente da República.

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Razão assiste ao deputado Eduardo Cunha: “Há 15 anos fala-se em fazer a reforma política. Eu a coloquei em votação, mas a Casa não quis reforma nenhuma, salvo tópicos secundários. A Casa é soberana”. / Foto por Marcos Oliveira

Razão assiste ao deputado Eduardo Cunha: “Há 15 anos fala-se em fazer a reforma política. Eu a coloquei em votação, mas a Casa não quis reforma nenhuma, salvo tópicos secundários. A Casa é soberana”. A fala é irretorquível.

Sobrou a derrota acachapante da reeleição, com os partidos temerosos sobre quem ganhará em 2018 a eleição presidencial, razão básica de sua revogação legislativa, de resto benfazeja. Mas não precisávamos de cinco anos de mandato, quatro bastam como nos EUA e é de nossa tradição. O Congresso terá ainda que harmonizar o assunto.

O financiamento público (o PT já o tem fartamente por debaixo do pano) saiu derrotado, bem como a sua “lista fechada” ao gosto do “comitê central” e o “distrital misto”, sem nenhum sentido no Brasil, que não é parlamentarista, do PSDB. Em suma, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

A coincidência de todas as eleições poderia ao menos exigir que as “alianças” (para o Legislativo vimos sua inadequação) deveriam ser verticalizadas. É um despautério aliar-se nos municípios ou nos estados a partidos contendores no plano federal. Isso sim retira dos partidos coerência e identidade pragmática. Ao cabo, viram “ajuntamento de pessoas”, como reparou Cunha.

Outro assunto pendente são as cláusulas de barreira para evitar a criação de novas legendas com fins espúrios e oportunistas. O Senado tem a palavra e o voto, a Câmara dos Deputados não resolveu a questão. Continuaremos com a “bagunça partidária” e os espertos criadores de partidos em proveito próprio.

Mas a reforma política continuará, por iniciativa da Câmara dos Deputados. Está a iniciar-se o novo “pacto federativo”. Urge diminuir os poderes de Executivo Federal. Presidente não é rei ou rainha. O que vimos até agora apenas decidiu questões superficiais e manteve o sistema proporcional nas eleições legislativas. Falta remontar o pacto federativo e uma nova repartição de competências entre a União, estados e municípios, decidir sobre a divisão equânime dos royalties da mineração e do petróleo. E, por fim, adequar os fins aos meios financeiros necessários. Enquanto o governo da União faz “caridades”, os estados e municípios se desdobram para ofertar segurança, mobilidade urbana, saúde e educação.

O tráfico internacional de drogas e armas continua solto, despoliciados os portos, fronteiras aéreas, marítimas e terrestres. Inexistem penitenciárias federais, um descalabro!

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