A reforma política

Emendas parlamentares são excrescentes. Deputados foram eleitos para fazer leis e não para se autopromoverem e se autofartarem à custa do contribuinte.

É cediço que o expositor tenha o postulado epistemológico de delimitar o objeto de sua exposição. O sistema eleitoral está imbricado na reforma política, que se não resume a disciplinar a suplência dos senadores, mudar o dia da posse dos eleitos ou sugerir o financiamento público das campanhas eleitorais, assuntos de menor monta. Vejamos as eleições proporcionais.

Vale discorrer sobre o “distritão”. Significa que vereadores e deputados devem ser eleitos pelo número dos votos obtidos, seja qual for o partido deles, dividindo-se entre todos os postulantes de dada sigla partidária os votos da legenda. Desaparece o coeficiente eleitoral, a favorecer as pequenas legendas, os puxadores de votos, seja o deputado Tiririca, seja o senador Aécio Neves, bem como os formiguinhas (um rol rabilongo de candidatos gerando poucos votos para os mais votados da legenda). O mote no caso seria: cada eleitor um voto e cada eleito com os seus votos. Por outro lado, os políticos de nomeada, bem avaliados, bem poderiam destinar parte de seus votos para os companheiros de legenda, num processo interna corporis de valorização de seus próceres e das bases eleitorais, aumentando-se o entranhamento entre os eleitores, os candidatos e as lideranças locais.

O voto distrital misto, segundo o qual os eleitores, no âmbito de cada estado, votariam em dois candidatos para os cargos eletivos estaduais e federais. Um deles seria votado no estado inteiro. O outro no distrito, sob a justificativa de ficar junto ao distrito, em defesa do distrito, próximo à opinião dos seus eleitores no distrito. Quanta poesia e engano nessa inviável proposta. Vamos aos exemplos para nos convencermos de sua inutilidade. Como dividir os distritos na zona metropolitana de São Paulo, com 22 milhões de pessoas? Em Manaus vivem 90% da população do Amazonas. Como dividir os distritos?

Digamos que a Minas, com cerca de 12 milhões de eleitores, sejam atribuídos 72 deputados estaduais e 48 federais, só para exemplificar. Trinta e seis federais seriam distritais e 36 regionais. Vinte e quatro estaduais seriam distritais, e os da outra metade regionais. A uma, teríamos distritos federais e estaduais desiguais. A duas, os distritos seriam enormes, a englobar vários municípios com características diversas, às vezes até conflitantes, em razão de disputas intermunicipais. Basta imaginar um distrito conjugando Fabriciano e Ipatinga. A três, o deputado distrital seria um corretor dos interesses locais, um obstinado proponente de emendas parlamentares, buscando verbas para festas, ONGs, pontes, escolas, centros de treinamento fictícios, centros sociais, ambulatórios etc., a tornar o orçamento do estado e da União colchas de retalhos, a favorecer a corrupção institucionalizada.

As emendas parlamentares são excrescentes. Deputados não têm direito algum a receber verbas do orçamento pro domo sua. Foram eleitos para fazer leis e não para se autopromoverem e se autofartarem da res pública, à custa dos contribuintes e da desorganização dos orçamentos. A função das Casas legislativas é cooperar na formação dos orçamentos e fiscalizar a execução orçamentária, jamais se locupletarem dele. São eleitos pelo que o partido representa (correntes de opinião). Quanto aos cargos em comissão a ideia, no particular, é diminuí-los, na União principalmente, mas abrangendo estados e municípios. Como contraponto, teríamos uma burocracia estável, profissionalizada, com base na meritocracia, típica das carreiras do Estado como nos EUA e na Europa. Dizem que temos mais de 40 mil cargos em comissão nos três níveis da federação, sendo 22 mil na União, a receber polpudos ganhos em desfavor do princípio da eficiência.

Está claro que a hipertrofia do Estado no presidencialismo de coalizão, quadro que se reproduz nos estados, sem que tenhamos partidos programáticos, apenas oportunistas, atrai os políticos em seus 28 partidos a usarem o Estado, seus cargos, seus contratos e suas verbas, seus empregos como instrumentos de arrecadação de fundos para as agremiações e para si próprios. O Estado brasileiro, como se organiza, induz à corrupção.

O pluripartidarismo amorfo do Brasil é um liquidificador de interesses espúrios, a exigir barganhas em troca de governabilidade. A fidelidade partidária, com temperamentos, deve ser fortalecida (o voto é do partido). A mudança partidária deve ser regrada com austeridade. A lei Ficha Limpa deve ser mais aprimorada ainda. O voto em lista fechada é caciquismo, coronelismo, mandonismo. O financiamento público de campanha é pura enganação. Devemos incentivar as doações individuais e corporativas como nos EUA. É impossível detê-las e punir exemplarmente os financiamentos ocultos, primeira etapa da corrupção. O foro privilegiado merece extirpação e varas especializadas em corrupção política são imprescindíveis.

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