A peleja geopolítica

A atitude de Obama na ONU considerando Assad “tirano”, a ser “removido” do governo sírio, no papel de semideus, não procede.

A peleja geopolítica

A política dos EUA no Oriente Médio tem sido a da conivência com tiranos aliados e a do porrete para os recalcitrantes

Era de se esperar a entrada da Rússia para defender seus aliados na guerra do Oriente Médio. Entre a Síria e a Criméia está a Turquia da Otan.

Neste espaço já me referi à Eurásia, espaço compartilhado pela Rússia, Belarus, Síria, Iraque, Irã, Cazaquistão, Mongólia e China, desde o Báltico até o Mar do Japão, como o eixo do poder mundial no século 21, segundo os estudos geopolíticos, notadamente ingleses. A Síria reflete mais um lance dessa peleja geopolítica, apesar de as agências de informação ocidentais situarem o conflito em termos de “democracia” e “liberdade” para cooptar sua opinião pública.

A atitude de Obama na ONU considerando Assad “tirano”, a ser “removido” do governo sírio, no papel de semideus, não procede. Quem apoia Al-Sisi, ditador que já condenou à morte 1,7 mil adversários políticos e doa todos os anos, há mais de 25 anos, milhões de dólares ao Exército egípcio, para afastá-lo de intervenções no Oriente Médio e tolerar Israel, não tem moral para acusar Assad. A política dos EUA no Oriente Médio tem sido sistematicamente a da conivência com tiranos aliados e a do porrete (big stick) para os recalcitrantes, sem levar em conta as sociedades civis. Senão vejamos. Com a Arábia Saudita e Emirados da península arábica a aliança é total (petróleo, bases, armamento), mas o Iêmen é tratado a pão e água. No entanto, são monarquias absolutistas, infensas à democracia, jamais fizeram nem sequer uma eleição, exploradoras da mão de obra estrangeira, distantes dos direitos humanos fundamentais, onde as mulheres nem sequer podem dirigir carros. O Líbano, depois da guerra civil estimulada pelos EUA, conseguiu sobreviver democraticamente, é não alinhado. A Turquia, sede do antigo império Otomano, tornou-se uma democracia laica obrigatória, há um século, pela revolução europeizante do general Atatürk. É membro da Otan (tem tratados com o Ocidente), não lhe causa problemas, embora seja contra os curdos, um povo sem estado.

Os EUA tinham algumas diferenças na região e interesse vital no petróleo ali existente (agora já são autossuficientes). Como agiram nesses casos? Usaram e abusaram de Saddam Hussein para maltratar os xiitas majoritários no país. Venderam-lhe bilhões em armas e aviões para guerrear o Irã, que rompeu com os EUA após derrubar o xá Reza Pahlevi, pró-americano, lá posto depois que a CIA operou a deposição do primeio-ministro Mossadeg, que havia nacionalizado o petróleo (conforme os arquivos da Universidade George Washington, abertos ao público). Para vingar “simbolicamente” a derrubada das torres gêmeas, Bush e Blair nomearam Saddam “tirano” e “detentor de armas químicas” inexistentes, invadiram o Iraque, desarticularam tudo e foram embora, deixando milhares de mortos e estropiados. O mesmo ocorreu com o Afeganistão. Os EUA treinaram os talibãs, grupo ligado ao fundamentalismo da Arábia Saudita, para lutar contra os russos que invadiram o Afeganistão (por insuflar fanatismo nas repúblicas soviéticas cazaques e usbeques que lhe eram vizinhas). Foi nesse lance que surgiu a Al-Qaeda. Bin Laden, um dia, foi “instrutor” a serviço da CIA. Com a retirada dos russos e a derrocada da União Soviética, a Al-Qaeda voltou-se contra seu criador e derrubou as torres gêmeas. Foi invadido para “caçar Bin Laden”, que já vivia no Paquistão. O governo, totalmente desorganizado pela guerra, com 3 milhões de deslocados, tem o domínio de 20% do território. O Talibã e o terror sunita mandam no resto. Há dias os EUA destruíram um hospital, matando nove médicos sem fronteiras.

Os Assads e os alauitas (seita xiita moderada), sem oposição do Ocidente, governaram a Síria por cinco décadas. Apesar dos esforços ameaçadores, o país se manteve aliado firme do Irã e da Rússia contra o terrorismo sunita (todos os grupos terroristas são sunitas, nenhum xiita) e são financiados pelos magnatas da península arábica e doações da irmandade muçulmana. Sob os Assads, cristãos, drusos e armênios viviam em paz. Os sunitas, porém, estavam descontentes. De repente, Assad é tido por “tirano” e “liberticida” e logo atacado por uma chusma de terroristas financiados pela Turquia, EUA e Arábia Saudita.

As massas árabes foram humilhadas pelo Ocidente desde a queda do Império Otomano e o odeia. Apelando para os “valores do islã”, a Jihad (missão, guerra santa) entusiasma os jovens islamitas. Então surge dentro de um Iraque em frangalhos e de uma Síria dividida um imenso território sob o domínio de uma facção incontrolável sunita, a semear terror por onde passa. Em terra, somente os “pershemegas” (os que não temem morrer) curdos e arianos, como os persas do Irã, lhe fazem frente, junto com o Exército sírio.

Os russos, o Iraque, os iranianos e os curdos derrotarão o califado a ferro e fogo, traçarão a linha ao Sul da Eurásia, no Oriente Médio, além da qual os terroristas sunitas não passarão (nem a Otan).

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