A desilusão do futebol

O futebol, entre os esportes coletivos e competitivos, é o que mais se aproxima da violenta arena romana.

A competição futebolista mundial, no primeiro quinto do século 21, veio nos mostrar evidências que vinham se insinuando desde o início do segundo milênio da era comum. Por primeiro a universalidade do esporte, jogado no mundo inteiro: Europa, Ásia, as Américas, África e Oceania (Austrália, Nova Zelândia). Dir-se-á que os EUA estão fora – ledo engano. A uma, lá não só os latinos o praticam, também os nativos e, principalmente, as meninas. A duas, os EUA são potência mundial no esporte da bola-no-pé feminino. Eles é que são excêntricos com o tal de rúgbi e o basebol (nosso bentes altas).

 A desilusão do futebolAlém da universalidade, a igualdade. Os times competidores, graças a internet e a TV, sabem tudo sobre o esporte. É ilusão, aliás infantil, crer que o brasileiro é um futebolista nato, a nascer chutando a barriga da mãe. Qual nada. Não existem mais “sistemas” como o tal “carrossel holandês”, todas as táticas universalizam-se, assim como o preparo físico dos atletas. O bate-bate de pé em pé do Barcelona e do Real Madrid não são novidades (nem suficientes como pensam alguns). Os ingleses continuam a jogar pelas pontas e a centrar para a zona do agrião (grande área), que é o lugar ideal para fazer gol. (Água mole em pedra dura, bate, bate até que fura). Os alemães, como em todos os tempos, se esparramam pelo campo inteiro para jogar no máximo espaço possível, com passes longos e certeiros, especialmente em profundidade. Os brasileiros, que nunca foram altos e parrudos, continuam a driblar e a brincar ludicamente com a bola; é futebol bonito, mas nem sempre eficiente. Nada mudou.

Fora dos estádios mudou, não há mais os “campinhos de várzea”, celeiro de craques. Os americanos são bons na bola ao cesto porque qualquer lote vago ou pedaço de rua aguenta uma argola com cesta, mormente nos pobres bairros negros, mas não apenas neles.

Contudo, o futebol é um jogo chato, tem muito zero a zero e escores apertados para 90 minutos ou mais de competição. E tem gente demais. São 22 em campo, reservas, técnicos, um cortejo enorme. Exige grama plana e aparada. Os estádios são gigantescos e caríssimos, custa muito mantê-los e o tempo de amortização do investimento é imenso, numa época em que televisão mostra tudo, de perto e de longe, nos mínimos detalhes. Outros esportes, pelo dinamismo do jogo, são vistos em silêncio, com alaridos ocasionais causados por alguma jogada espetacular. No futebol, as torcidas fazem um barulho infernal o tempo todo, uma zorra total.

E torcer (na verdade nós nos “torcemos”) e urrar pelo time do coração faz do torcedor um guerreiro, que exulta na vitória e chora quando seu time perde ou então se entristece, se enraivece a ponto de brigar com paus e pedras, como as hordas humanas primitivas.

O esporte é alienante, tem gente a descuidar do trabalho, da política, do que realmente interessa, para somente pensar nos jogos. Os romanos, conhecedores empíricos da alma humana, superaram as ideias olímpicas dos gregos, cujos esportes premiavam os esforços pessoais dos seus praticantes e inventaram as “arenas”, onde as emoções agressivas da plebe se esvaiam: pão e circo. Ora eram os pugilatos mortais entre gladiadores (escravos treinados para lutar com espadas largas, lanças e tridentes), ora eram homens fortes com tridentes, facões e redes a enfrentar feras como leões e panteras. É engano achar que os bichos esfomeados sempre venciam. Frequentemente, eram enrolados nas redes e perfurados nos olhos e nos ventres pela inventiva inteligência humana, cuja ferocidade sempre foi muito maior que de qualquer animal. O Coliseu foi o palco monumental de pugnas imensas. Na época dos césares, o gladiador vencedor a ele se dirigia. Se levantasse o dedo polegar o opositor seria poupado, caso contrário degolado ou esquartejado, e o povo participava da decisão imperial. Se o vencido tivesse lutado – apesar de tudo – com vigor, a torcida intercedia o perdão do imperador…

O futebol, entre os esportes coletivos e competitivos, é o que mais se aproxima da violenta arena romana. Os jogadores são desleais, em qualquer lugar do mundo, chutam-se mutuamente, mordem e xingam-se à vontade. A regra no futebol é a violência e a burla às regras do jogo, como se fosse a coisa mais natural. Aquele gol de mão de Maradona é um hino à desonestidade esportiva, que frequentemente se estende aos árbitros. Há lances em que o adversário entra para machucar deliberadamente o jogador do outro time, de modo revoltante. A crônica esportiva critica mas justifica (descaso). Ética esportiva, disso não se fala. Na penúltima Copa, a joelhada que o Neymar tomou na coluna vertebral e parte das costelas, poderia ter perfurado um pulmão ou quebrar-lhe a coluna, tornando-o paralítico.

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